PORTUGAL
Há pouco tempo, todas e todos puderam assistir a uma reportagem emitida na TVI sobre o suicídio nas forças de segurança. É uma questão delicada que, a par de outras profissões, vem sendo alvo de políticas específicas nos planos de saúde mental dos anteriores e do atual governo e, concretamente, no plano de prevenção do suicídio.
Do ponto de vista político, o tema do suicídio, neste caso nas forças de segurança, deve ser tema de procura conjunta de soluções e nunca de palco para ganhos de outra espécie.
No dia 4 de maio, na sala do Senado, teve lugar uma audição conjunta sobre suicídios nas forças de segurança coma serenidade que se impõe. Na audição, dada a importância da matéria e da sua transversalidade, estiveram presentes: a secretária de estado adjunta da administração pública, Isabel Oneto (presidente do grupo de trabalho para a revisão do plano do suicídio nas forças de segurança); o Dr. Daniel Sampaio, psiquiatra; o Dr. Carlos Silva Santos, médico de saúde pública e ocupacional; o Dr. Hugo Dionísio, especialista em matéria de higiene e segurança no trabalho; a associação sindical dos funcionários de investigação criminal da polícia judiciária; a associação sindical dos oficiais de polícia; a associação sindical dos profissionais de polícia, representada, entre outros pela psicóloga Marisa Valores; a associação nacional dos oficiais da Guarda; a associação nacional dos sargentos da guarda; e a associação dos profissionais da guarda.
Foi possível verificar pontos fortes no que toca ao diagnóstico comum referente às especificidades da atividade das forças de segurança que contribuem para um risco acrescido de níveis de stress profissional com a eventual consequência de distúrbios de saúde mental, como a depressão, a qual, se não diagnosticada em tempo útil e não for objeto de intervenção específica – destacando-se aqui o papel fundamental do apoio psicológico – pode resultar no suicídio.
Se é verdade que o suicídio tem vindo a constituir um problema social grave, com particular incidência na última década e que a sua incidência é transversal à sociedade em geral, o número de suicídios registados nestas forças sofreu um agravamento no ano de 2015, o qual justifica uma atenção especial no Plano de Prevenção do Suicídio nas Forças de Segurança (2016/2020).
As forças de segurança lidam com a vida e com a morte, exercem uma atividade de alto risco, auferem baixos rendimentos e trabalham em condições materiais muitas vezes precárias. As forças de segurança são constituídas por muitos elementos que estão deslocados das suas origens, isolados, afastados da família, sem recursos para viagens de contacto com as mesmas, o que justifica a conclusão de algumas autópsias psicológicas no sentido de que o elemento principal da crise pré-suicida tenha decorrido de problemas relacionais e conjugais. As forças de segurança funcionam em cadeia de comando, o que significa que se um dos seus elementos está numa situação de stress, de ansiedade ou de depressão, tem dificuldade em encontrar escolhas na sua autonomia, que sente impedida pela referida cadeia de comando. Os elementos das forças de segurança trabalham com uma arma de fogo.
Se não é possível estabelecer-se um nexo de causalidade geral e abstrato no sentido de que, por exemplo, baixos salários resultam em depressão e suicídio, porque cada caso é único e intransmissível, isso não significa que as políticas públicas não tenham de atuar em todas as hipóteses, isto é, em todas as peças do puzzle.
Com a aprovação do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (2013/2017), colhidos importantes ensinamentos e saberes os quais foram adotados nas subunidades de apoio psicológico e psiquiátrico de cada uma das Forças de Segurança.
O Plano determina medidas no domínio da prevenção (1), da intervenção (2); da reabilitação (3) e da avaliação (4).
Para dar alguns exemplos sequenciais das medidas, referira-se as seguintes: Reavaliação psicológica dos novos elementos policiais, durante a sua formação inicial e durante o primeiro ano de serviço efetivo; Reavaliação psicológica do efetivo policial com periodicidade regular; Atendimento permanente, através de telefone SOS de carácter gratuito, para intervenções em crise, por psicólogos das subunidades de apoio psicológico em cada uma das Forças de Segurança; Deslocação imediata e permanente, a nível nacional, de equipas de psicólogos das subunidades, em caso de morte não natural, tentativa de suicídio ou alteração grave do comportamento em elemento policial; Restrição do uso e porte de arma nos casos de comprovado risco de vulnerabilidade psíquica; Realização de avaliações psicológicas ou neuropsicológicas através das subunidades de apoio psicológico, para efeitos de redefinição de funções dos elementos policiais; Incremento do apoio biopsicosocial, através de rede de contactos estabelecida, entre as entidades médicas, as subunidades de apoio psicológico e/ou psiquiátrico e os serviços sociais; Informação aos comandos, pelas subunidades de apoio psicológico, em caso de risco de elementos policiais; Monitorização de elementos policiais referenciados pelas entidades médicas, pelas subunidades de apoio psicológico e/ou psiquiátrico e pelos serviços sociais das Forças de Segurança; Recurso ao Serviço Nacional de Saúde em articulação com as entidades médicas e as subunidades de apoio psicológico e/ou psiquiátrico, existentes nas Forças de Segurança; Recolha e registo de dados, pelas subunidades de apoio psicológico e/ou psiquiátrico, que permitam a identificação de padrões de risco, com vista à promoção de boas práticas; Investigação sobre vulnerabilidades e suicídio em elementos policiais, pelas subunidades de apoio psicológico e /ou psiquiátrico, com possível recurso a entidades académicas e/ou organizações de reconhecido mérito no campo da suicidologia; Realização de estudos em parceria com organizações de reconhecido mérito no campo da suicidologia (estudo em desenvolvimento); Até 31 de janeiro de cada ano, o grupo de trabalho deverá elaborar um relatório de avaliação sobre a implementação das medidas do Plano, relativo ao ano anterior, para conhecimento da tutela. A atividade realizada por este Grupo de Trabalho contribuiu para a assinatura do protocolo de colaboração entre a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública e a Direção-Geral da Saúde que, precisamente visa implementar as medidas referidas, criando um sistema de referenciação e de encaminhamento dos elementos das Forças de Segurança outorgantes, considerados em risco de suicídio, mediante avaliação dos respetivos Gabinetes de Psicologia, para os Departamentos ou Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental dos estabelecimentos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
De tudo o que foi escrito resulta que é importante apontar os esforços para a avaliação do problema e para a consequente busca de soluções. Nelas verificamos a importância corretamente dada a uma política de saúde mental, a qual, quando aplicada, mostra resultados, como a excelente e experiente intervenção da psicóloga Marisa Flores demonstrou.
Se com justiça se reclama por uma política de saúde mental sem prioridades desfocadas, como tem feito a Ordem dos Psicólogos – de ler o artigo do seu presidente, publicado na edição do jornal O Expresso , de 30 de abril de 2016 (https://www.ordemdospsicologos.pt/pt/noticia/1727) – a experiência neste caso aconselha as medidas projetadas.
Quem garante a nossa segurança tem de estar em segurança pessoal.