Quando falamos em benefícios da disciplina, frequentemente usamos o Japão como um modelo a ser seguido. O país cultua uma imagem de organização e eficiência que desperta a admiração de todo o mundo e povoa os desejos dos mais conservadores, que sonham com uma sociedade igualmente disciplinada e organizada.
No entanto, a cultura japonesa é muito mais complexa do que nosso senso comum é levado a crer e, por trás dessa perfeita disciplina há fatores extremamente sérios envolvendo, inclusive, um número alto de suicídios até mesmo entre crianças.
Entre os anos de 1973 e 2012, mais de 18 mil crianças cometeram suicídio; em 2014, essa foi considerada a primeira causa de morte entre os jovens de 10 a 19 anos de idade. Os períodos em que a taxa é mais alta são durante a volta às aulas.
Nas escolas japonesas, não há espaço para individualidade e criatividade; desde muito pequenas as crianças começam a aprender matérias como inglês e matemática, além de assistirem aulas extras para conseguirem entrar nas melhores instituições. A competitividade que pressiona os alunos e requer dedicação estrema leva também ao bullying, que é, por vezes, encorajado pelo comportamento dos professores ao punirem os alunos.
Há jardins de infância – mais rígidos, considerados os melhores – em que os uniformes das crianças consistem apenas de shorts, sem camisa ou blusa que aqueçam os pequenos alunos durante o frio, uma forma de os tornarem resistentes ao clima gelado. É comum, por exemplo, que estudantes assistam aulas de reforço até meia-noite já no primeiro ano na escola visando à entrada em instituições de elite.
Em sua maioria, pedagogos japoneses não acreditam que uma criança possa ser criativa, apenas espontânea e qualquer excentricidade deve ser desencorajada. O sistema de ensino autoritário acaba por suprimir as emoções dos alunos, não interessa o quão jovens sejam. Assim, o bullying passa despercebido simplesmente porque estudantes não devem relatá-lo, mas aprender a conviver com ele. Ademais, não existem políticas educacionais para inclusão de autistas ou indivíduos com dificuldades de aprendizagem.
O que se observa, em suma, é que a disciplina que consideramos exemplar é obtida às custas da própria humanidade das crianças. A importância de se manter as aparências faz com que seja condenável falar o que se pensa; a separação da vida íntima e pessoal da vida social deve ser preservada por todos. Em casa, os filhos têm pouco contato com os pais, que se tornam workaholics – Trabalhador Compulsivo em função da competitividade – e se deparam com as exigências das mães para que sejam também bem sucedidos.
As estatísticas têm alarmado o governo japonês, que busca formas de reinventar sua cultura educacional com medidas como o fim das aulas aos sábados ou a redução das notas exigidas nas universidades. Quando uma pessoa defende uma educação regida por militares, mirando-se no exemplo japonês, ela não leva em conta especificamente o fator humano e a que custo se mantém uma cultura disciplinar.
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