Rita*, 20 anos, é estudante de psicologia. Tentou se matar duas vezes. A primeira, aos 16 anos e a segunda, aos 18. A universitária cresceu em uma família religiosa, que, nas palavras dela, sempre riu e fez piada sobre lésbicas e gays. O choque entre a criação recebida e a descoberta da própria homossexualidade tirou seu rumo.
“Não sei quantas vezes me achei impura ou possuída por algo maligno, já que, desde pequena, aprendi que o que não é ‘natural’ é motivo para ir para o inferno. Mas o inferno estava em mim”, conta.
No Brasil, em 2017, 44 jovens cometeram o suicídio. É sobre esse tema que vai se debruçar um estudo em andamento conduzido pelos pesquisadores Renan Antônio da Silva, cientista social e doutorando pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), Luiz Mott, antropólogo e fundador do GGB (Grupo Gay da Bahia), e Toni Reis, ativista e doutor em educação.
“Por ser um trabalho nacional, mostraremos o quanto o preconceito, a não aceitação e a pressão familiar e religiosa matam homossexuais”, afirma Silva. A pesquisa deve ser publicada no primeiro semestre de 2018.
“Quando me abri, dizendo que eu era lésbica e nasci assim, os meus pais ficaram um mês sem falar comigo”, fala Rita.
Problema de saúde pública
Segundo Renan Antônio da Silva, o levantamento será feito a partir de dados provenientes do GGB e do site “Quem a Homofobia Matou Hoje”. Essa página tem dados desde 2011, recebidos de delegacias, ONGs e grupos LGBTTs de todo o país.
“Com esse estudo, queremos identificar o suicídio como um fato social, de repercussões subjetivas e que se caracteriza como um importante problema de saúde pública”, diz Silva, acrescentando que a intenção é que o levantamento sirva de base para a elaboração de políticas públicas para a prevenção do problema.
De acordo com o cientista social, no exterior, trabalhos com essa temática foram realizados e apontaram como a não aceitação da orientação sexual pode ser fator de risco para o suicídio.
Renan Antonio Silva cita estudo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, de 2012, que concluiu que jovens homossexuais têm cinco vezes mais chance de se matar do que os heterossexuais.
Segundo o psiquiatra Daniel Mori, colaborador do AMTIGOS (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), o desrespeito ou a não aceitação de uma determinada orientação sexual pode levar a pessoa a ter sentimentos relacionados à exclusão, culpa, medo, tristeza e inadequação.
“Todos esses sentimentos podem levar ao adoecimento ou à instalação de um transtorno psiquiátrico. Alguns, como o Transtorno Depressivo, se não corretamente tratados, podem levar a pensamentos de morte, ideação, planejamentos e tentativas de suicídio. Portanto, o preconceito contra outras orientações sexuais que não a heterossexual pode ser fator de risco para o aumento da vulnerabilidade ao suicídio”, declara Mori.