Considerado como assunto tabu em quase todos os meios, o debate acerca do suicídio ganha status de urgência, tornando-se caso de saúde pública no país. Em Mato Grosso, um levantamento recente da Secretaria de Estado de Segurança Publica (Sesp), mostrou um aumento de 50% na média mensal de casos registrados entre 2015, quando houve 109 mortes, e 2016, com 60 registros até abril. Assim, os números para este ano correspondem, até o momento, a 15 suicídios por mês, enquanto que os do ano passado chegaram a 10, no total.
Neste cenário, o avanço da depressão, os mitos relacionados à saúde mental e a negligência do Poder Público com o setor, são apontados pelo médico psiquiatra Lawrence Oliveira, como fatores determinantes para o acréscimo nas estatísticas. Logo, o primeiro passo para a resolução do problema, considerado por ele como uma epidemia mundial e silenciosa, é a informação. “Nossa cultura, de modo geral, rechaça o suicido, que é visto como pecado por praticamente todas as religiões. Então ninguém quer falar sobre isso, o que dificulta muito a conscientização e detecção.”
As ressalvas ao tema não se restringem a população comum, fazendo com ele seja evitado também pelos profissionais da saúde, que, por medo de induzir o paciente ao ato, acabam não o abordando. O médico explica que este erro é comum e defende uma abordagem clara, na qual o possível suicida seja questionado se já pensou em se matar, se já fez planos para tirar a própria vida e se já chegou a tentar algo contra si alguma vez.
A partir destas respostas, é possível identificar o estágio em que a pessoa se encontra e encaminhá-la para tratamento especializado. “Estas questões devem ser englobadas por toda a estrutura de saúde, desde a atenção primária, do agente que visita as casas, pra colher informações. A maioria dos pacientes suicidas tenta falar sobre isso em algum momento, e passam mensagens que não são interpretadas, como no caso do rapaz que se jogou do Portão do Inferno.”
A imagem cruel e agressiva criada em torno da psiquiatria e o preconceito contra a especialidade, que também ajuda pessoas com desordens mentais mais severas, são lembrados como outros fatores que inibem a busca de ajuda psiquiátrica. “É preciso acabar com essa cultura de que ir ao psiquiatra é coisa de louco, para que a procura e a identificação dos casos seja possível. Tem gente que, par não ir ao psiquiatra, procura um neurologista.”
Somam-se a estas barreiras as deficiências na saúde pública, que, na avaliação do médico, é ineficaz e insuficiente no atendimento à pacientes com qualquer tipo de transtorno. Em Cuiabá, onde ele afirma não haver uma rede de saúde mental, o Hospital Adauto Botelho é usado como exemplo de sucateamento, e o atendimento primário é apontado como falho. Além disso, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) também não apresentariam estrutura física e profissional para o atendimento e acompanhamento adequados.
“É um problema múltiplo, porque falta investimento físico, em material e também em pessoas. Nos Caps, por exemplo, eu vejo que falta muito empenho. Nós encaminhamos o paciente pra lá e o profissional libera, alegando que está tudo bem e que não é preciso mais atenção intensiva. Em outros casos, o paciente começa com uma medicação e ela acaba, interrompendo a seqüência no tratamento. Nem nossa rede particular é preparada pra isso. Fica então este questionamento ao governador: Até quando a saúde mental vai ser negligenciada, fazendo vítimas em todo o Estado?”
Comportamento suicida e tratamento
Presos a uma situação de ambivalência, os suicidas convivem paralelamente com o desejo de viver e morrer. Assim, embora queiram dar sequencia a vida, precisam de uma solução para seus problemas e não conseguem vislumbrar outras opções além da morte. O paciente pode então passar por três estágios que envolvem o suicídio: o pensamento, o planejamento e a tentativa. Este último fator está diretamente ligado ao impulso, que pode surgir em momentos diferentes da vida.
Deste modo, mesmo aparentando estar bem, o indivíduo pode estar enfrentando uma destas situações, que também podem estar ligadas a aspectos genéticos. O tratamento começa no consultório, quando identificamos a gravidade do problema. Se o paciente diz que já tem planos de se matar, a família é chamada imediatamente e inclusive recebe os medicamentos receitados, para evitar que o suicida sabote a própria medicação.
“Pessoas que tem parentes suicidas tem chance maior de manter o legado. Há ainda fatores relacionados a depressão, uso de drogas, abandono e traumas de infância.É preciso estar sempre atentos ao que chamamos de 4 depressão, desesperança, desamparo e desespero.” Ele afirma ainda que o tratamento pode ser efetivo, e que a situação pode não se repetir, se houver sucesso no acompanhamento.
Para os que convivem com alguém que apresenta estes sintomas, é preciso perder o medo de se aproximar das pessoas e oferecer ajuda. A pessoa que está numa crise suicida se percebe sozinha e isolada. Se um amigo se aproximar e perguntar “tem algo que eu possa fazer para te ajudar?”, a pessoa pode sentir abertura para desabafar. Nessa hora, ter alguém para ouvi-la pode fazer toda a diferença. “O suporte de familiares e amigos é essencial, e também faz parte do tratamento. Pra quem tem conhecidos que passam por isso, a primeira atitude é levar a pessoa ao psiquiatra, que dará os outros encaminhamentos”, explica.
Perfil das vítimas
De acordo com um estudo do Centro de Valorização da Vida (CVV), o suicídio cresce não somente por questões demográficas e populacionais, mas também por problemas sociais que prejudicam o bem-estar de cada um e que estimulam a autodestruição. Nossa sociedade vive com diversas situações de agressão, competição e insensibilidade. Campo fértil para que transtornos emocionais se desenvolvam. Neste contexto, os grupos de maior risco são os de idosos e adolescentes.
No primeiro caso, o desejo suicida pode surgir decorrente da situação de abandono e inutilidade, comum a muitos dos cidadãos da terceira idade. Para resolver esta situação, Lawrence destaca o papel da família e a inclusão do idoso em atividades que o façam se sentir ativo. No segundo caso, as principais motivações são abusos psicológicos e sexuais, e desestabilidade familiar.
Pesquisas mostram ainda variáveis entre o gênero das vítimas homens se matam mais, embora mulheres tentem mais vezes, uma tendência acompanhada por causas culturais relacionadas a costumes e preconceitos sociais. “Normalmente os métodos escolhidos pelos homens são mais eficazes, como tiro e enforcamento. Já as mulheres recorrem mais a remédios, inalação de gás, e outras formas que podem ser reversíveis.