Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre os anos 2000 e 2012, houve um aumento de 10,4% dos casos de suicídio no Brasil. O número –divulgado em 2014– é o mais recente da entidade.
Tema difícil, mas necessário de ser tratado, o suicídio faz parte do dia a dia profissional de socorristas, que têm, entre suas tarefas, deter e auxiliar pessoas em risco de atentar contra a própria vida. A seguir, o depoimento de cinco deles.
Jofrey Santos da Silva, 45, comandante do 8° Batalhão de Polícia Militar, em Joinville (SC)
“Nossa primeira opção é sempre a negociação para que a pessoa sinta que está recebendo atenção e que nos importamos com ela. Em dezembro de 2015, um caso teve grande repercussão aqui em Joinville porque o suicida, de 27 anos, estava em um shopping da cidade.
O que mais me indigna em casos como esse, com grande público envolvido, é a falta de sensibilidade das pessoas que sempre querem filmar aquele momento de desespero ou gritam para que a pessoa se jogue logo ou coisas do tipo. Graças a Deus, no caso ao qual me refiro, conseguimos isolar o local, o que nos deu tranquilidade para lidar com o rapaz. O negociador deve ter paciência e chamar atenção da vítima e tentar fazê-la entender que a vida é um grande presente. Nunca tive o desprazer de perder um resgate. Digo perder porque estamos disputando a vida desse indivíduo, que decidiu que não vale mais a pena viver. Todos os casos são muito dramáticos e aprendemos que quem está perto dessas pessoas, no dia a dia, precisa observar os sinais, perguntar e conversar sobre o assunto. É fundamental dar importância, pois precisamos tratar como verdade uma ameaça de suicídio, para não chegar a uma situação crítica de tentativa real.”
José Eduardo Magri, 48, cirurgião-geral do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) de Belo Horizonte
“O caso que mais me marcou foi o enforcamento de um garoto de cerca de 18 anos. Ele estava preso por uma corda em um vergalhão no teto de casa. Fomos chamados pelos vizinhos, que notaram que havia música alta o dia todo no imóvel. Eles tentaram tocar a campainha e nada. O socorro só foi chamado quando a mãe chegou. Tinha mais de dez horas que o menino estava sozinho. Casos de suicídio nos abalam porque você encontra a pessoa em um momento de desespero ou, infelizmente, morta. Aqui em Belo Horizonte, esses resgates geralmente envolvem jovens. Na maioria das vezes, são pacientes que têm alteração psiquiátrica e estão em um surto psicótico. Quando chegamos a tempo, a contenção física é feita pela PM (Polícia Militar) e o Corpo de Bombeiros para depois entrarmos com o resgate químico, que envolve medicação e sedação. São episódios delicados com os quais temos de ter muita paciência e calma para atender os familiares e tentar minimizar o choque.”
Felipe Assumpção, 35, capitão do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro
“Sempre analisamos como a vítima se encontra no momento e tentamos identificar o que a levou a chegar naquele estado a partir de uma conversa. Quando não é uma pessoa com histórico psiquiátrico, está passando por alguma situação delicada pela qual não esperava. Graças a Deus sempre consegui sucesso no resgate. O caso que mais me impactou foi de um professor que, por problemas de saúde, tentou fazer uma perícia do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social).
Ele ficou horas no local, não conseguiu atendimento e foi para a sacada do terceiro andar do prédio, a cerca de 15 metros de altura. Acreditamos que ele queria ter atenção das pessoas que prestavam aquele serviço que ele tanto precisava. Entrei no local para negociar, entender e convencê-lo a descer. Ele estava bastante descontrolado. A grande parte dos bombeiros tem uma frieza bem grande porque o dia a dia é muito intenso, não há tempo para se comover. Mas o que mexe conosco é quando existem crianças envolvidas na ocorrência. É bem difícil de lidar, não a ponto de interferir na qualidade e precisão do trabalho, pois somos preparados para isso.”
Adriana Rizzo, 45, voluntária do CVV (Centro de Valorização da Vida), em São Paulo
“Potenciais suicidas entram em contato como último recurso e têm quase um padrão pré-estabelecido: estão decididos, mas, apesar de terem pesquisado sobre os meios de se matar, ainda não sabem exatamente qual usar para alcançar o objetivo. Uma vez atendi uma mulher por telefone e ficamos cerca de uma hora e meia conversando.
O motivo da ligação era que ela queria se matar e tinha visto na internet os efeitos de tomar uma dosagem maior de um remédio que tinha em casa. Ela desligou agradecendo, mais calma, mas não chegou a dizer se seguiria com os planos ou não. Nunca conseguimos saber exatamente o desfecho dos casos. Vez ou outra, recebemos e-mails e ligações de pessoas dizendo que graças ao atendimento desistiram de tirar a própria vida, mas nem sempre essa chamada cai para quem fez o primeiro atendimento. A técnica é conversar dando a maior atenção possível à vítima, que, na maioria das vezes, não tem esse apoio dos mais próximos. Julgar, criticar, opinar e dizer a clássica frase ‘se eu fosse você’ estão fora de cogitação. É preciso acompanhar com calma o raciocínio de quem está ligando, deixar falar, desabafar e, principalmente, dividir o peso dos problemas. São indivíduos que têm medo do julgamento e falar por telefone e não se identificar desperta confiança. O CVV existe como um canal de prevenção ao suicídio. Estamos disponíveis 24 horas para que esses sentimentos ruins desapareçam ou, pelo menos, não se acumulem, impedindo que as pessoas vejam o suicídio como única alternativa.”
André Postigo, 29, médico plantonista do Samu de Campo Grande (MS)
“Tentativas de suicídio estão quase sempre associadas a problemas psiquiátricos que não têm o acompanhamento adequado. Os pacientes depressivos falam que vão se matar e não são levados a sério. Quando alguém diz que vai se matar, está pedindo ajuda, atenção e já planeja algo, só falta coragem. Ter criança no local é o que mais me deixa sem chão, como aconteceu em um caso na véspera do Natal de 2015. Um homem na faixa dos 50 anos–bastante conhecido aqui na cidade– cometeu suicídio em casa ao ingerir drogas e bebida alcoólica. Infelizmente não chegamos a tempo. Quando entramos no local, o filho dele, de cerca de três, e a mulher estavam presentes. Ela em estado de choque e a criança sem entender o que estava acontecendo. O sofrimento familiar mexe muito com a gente. Na hora do resgate, somos a única fonte de informação e consolo. Quem chama socorro, mesmo quando a pessoa está morta, pede para fazer algo, suplica por ajuda. Apesar da fama de sermos frios, não somos. O que precisamos é equilibrar as emoções para conseguirmos fazer nosso trabalho e não deixar de lado os membros da família, que sempre precisam de um alento.”