O suicídio tem crescido entre as causas de mortes de jovens até 19 anos no Brasil. Em 2013, 1% de todas as mortes de crianças e adolescentes do país foram por suicídio, ou 788 casos no total. O número pode parecer baixo, mas representa um aumento expressivo frente ao índice de 0,2% de 1980.
Entre jovens de 16 e 17 anos, a taxa é ainda maior, de 3% frente ao número total. O aumento também ocorre em relação às mortes para cada 100 mil jovens dessa mesma faixa etária: a taxa foi de 2,8 por 100 mil em 1980 para 4,1 em 2013.
Os dados fazem parte da pesquisa Violência Letal: Crianças e Adolescentes do Brasil. Eles foram compilados pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), um organismo de cooperação internacional para pesquisa.
O aumento do número de mortes de jovens está na contramão do observado em países da Europa ocidental, Estados Unidos e Austrália, onde o número de suicídio de jovens vem caindo. Isso mostra a necessidade de discutir o tema no Brasil.
“Na década de 1990, a taxa de suicídios aumentava em todos os países do mundo, e a OMS [Organização Mundial da Saúde] lançou um programa de prevenção. Os países que fizeram campanhas de esclarecimento conseguiram baixar os números. É importante falar do assunto”
Neury José Botega
Psiquiatra da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas) e referência no país em prevenção do comportamento suicida, em entrevista à ‘Folha de S. Paulo’
O suicídio dos jovens em contexto#
O país não está entre os líderes de suicídios de jovens, quando se considera idades de 10 a 19 anos.
De acordo com a professora Alexandrina Meleiro, psiquiatra e coordenadora da Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria, jovens também não são a faixa etária mais atingida por suicídios no Brasil.
O suicídio dentro do grupo preocupa, no entanto, porque é um fenômeno que tem aumentado em um ritmo mais rápido do que o de outras faixas etárias.
O que leva jovens a cometerem suicídio?#
Especialistas destacam alguns pontos que são motivos de crises para jovens e podem ajudar a explicar o suicídio dessa parcela da população.
Questões que envolvem suicídio
COMPARAÇÕES IRREAIS
Segundo Alexandrina Meleiro, jovens imersos em redes sociais como Facebook ou Instagram assistem a retratos de vidas fantásticas. Internautas tendem a selecionar posts que exibam suas melhores conquistas e construir cuidadosamente imagens coloridas de suas vidas. Por comparação a vida de quem assiste a esse espetáculo parece pior, principalmente quando surgem problemas.
“Todo mundo tem que se sentir ótimo. A obrigação de ser feliz gera tensão no jovem”
Robert Gellert Paris
Diretor da Associação pela Saúde Emocional de Crianças e conselheiro do CVV (Centro de Valorização da Vida) em entrevista à ‘Folha de S. Paulo’
SEXUALIDADE
Dificuldades em lidar com ou ter a própria sexualidade aceita continuam a contribuir para comportamento suicida. De acordo com Alexandrina Meleiro, é comum que pais se digam compreensivos quanto à sexualidade dos filhos, mas tenham problemas em lidar, na prática, com filhos não heterossexuais.
GÊNERO
Mortes por suicídio são cerca de três vezes maiores entre homens do que entre mulheres. De acordo com cartilha da Associação Brasileira de Psicologia sobre o tema do suicídio ‘papéis masculinos tendem a estar associados a maiores níveis de força, independência e comportamentos de risco’. O reforço desse papel pode impedir que homens procurem ajuda em momentos de sofrimento. ‘Mulheres têm redes sociais de proteção mais fortes.’
ABUSOS
Maus tratos e abuso físico e sexual durante o desenvolvimento também podem estar associados ao suicídio.
USO DE DROGAS
De acordo com a professora, pessoas suicidas tendem a se envolver em comportamentos autodestrutivos, como o uso de drogas sem moderação. ‘Assim como o álcool contribui para a violência contra o próximo, ele pode desencadear violência contra si mesmo.’
SUPERPROTEÇÃO
Ela também afirma que os jovens são em parte vítimas da própria criação. Pais excessivamente focados em suas próprias carreiras e vidas pessoais sentem-se culpados em relação aos filhos, e tendem a consolá-los com conquistas materiais. “‘Se quebrou o iPhone, o pai providencia outro.’”
‘ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO’
Esse excesso de proteção pode dificultar que o jovem desenvolva, por si próprio, formas de lidar com a frustração com problemas do amadurecimento, como uma desilusão amorosa ou dificuldades para encontrar um emprego.
“As pessoas estão com dificuldade para lidar com a dose de angústia que acompanha a existência humana. Há vazio e solidão. Mas, não a solidão de simplesmente estar só. É uma solidão do desamparo, de um vazio desesperado e difícil de ser transformado em pensamentos apaziguadores, um vazio relacionado à ausência de vínculos e de pertencimento. Não se consegue dar um significado para a existência”
Neury José Botega
Psiquiatra da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade de Campinas) e referência no país em prevenção do comportamento suicida
Caso dos indígenas é particular#
O estudo da Flacso destaca que os maiores índices de suicídio do Brasil ocorrem em áreas com grandes comunidades indígenas. Eles sofrem de problemas particulares, não se encaixam na ideia de jovens consumistas superprotegidos pelos pais.
Jovens indígenas sofrem com tensões sociais causadas por conflitos em torno da demarcação de terras e drásticas mudanças sociais sobre seus povos. Das cinco cidades com as maiores taxas de suicídios de jovens de até 19 anos, quatro ficam no Amazonas, Estado com a maior população indígena do Brasil.
Tem destaque na lista o município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, o sétimo colocado em proporção de suicídios de jovens. Ele foi palco no dia 14 de um confronto entre homens armados, ligados a fazendeiros, e índios guarani-kaiowá, que ocupavam uma fazenda e exigiam a demarcação de terras. O agente de saúde Cloudione Rodrigues Souza foi morto na ação.
41,7%
Dos suicídios no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, são de indígenas de 10 a 19 anos. Quando consideradas todas as faixas etárias, indígenas respondem por 75% dos suicídios.
Em entrevista ao Nexo, o antropólogo Spensy Pimentel, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia e autor do trabalho “Entre nhemyrõ e vy’ae’y: interpretações sobre motivos e atitudes dos suicidas guarani-kaiowa” afirma que há registro de aumento do suicídios entre grupos indígenas quando entram em contato com povos não indígenas por todo o mundo.
De acordo com ele, no caso dos guarani-kaiowá, o problema está relacionado ao confinamento desse povo a reservas próximas a cidades, uma política implementada pelo governo brasileiro que tem como um de seus desdobramentos a intensificação do contato com povos não indígenas, o que pode afetar seu comportamento.
Na prática, os guarani-kaiowá se viram impossibilitados de manter seus modos de vida tradicionais. “Os indígenas percebem esse projeto de desenvolvimento do Estado brasileiro, como algo que não gera uma boa vida, alegria ou bem estar.”
“O rompimento das tradições, a perda da identidade cultural, o isolamento social, o alcoolismo, tudo isso contribui [para o suicídio]”, afirma o psiquiatra Neury Botega, em entrevista para a “Revista da Unesp”.
“A marginalização desses jovens tanto em suas próprias comunidades, ao não encontrar nelas um lugar adequado às suas necessidades, quanto nas sociedades envolventes, pela profunda discriminação, forja um sentimento de isolamento social que pode conduzir a relações autodestrutivas”
Relatório ‘Violência Letal. Crianças e Adolescentes do Brasil’, da Flacso
Como detectar uma tendência suicida#
Uma das maiores dificuldades em abordar o problema do suicídio parte do tabu em torno do tema. Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, o psiquiatra Neury Botega afirmou que muitos profissionais de saúde deixam de perguntar a pacientes se eles pensam em se matar, com o receio de que isso os levaria a fazê-lo.
Mas, segundo o especialista, “não temos esse poder de inocular a ideia na pessoa. E, se não tentarmos saber o que ela está pensando sobre o assunto, não conseguiremos ajudá-la”.
De acordo com Alexandrina Meleiro, apenas 3,2% dos casos de comportamento suicida não podem ser relacionados a uma doença psiquiátrica. Para todos os outros, há tratamentos que podem ser buscados para aplacar a dor do paciente.
Ela recomenda ficar atento para mudanças no comportamento dos jovens. Segundo a cartilha “Suicídio, Informando Para Viver”, do Conselho Federal de Medicina, 35,8% dos suicidas apresentam transtornos de humor e 22,4% transtornos por usos de substâncias psicoativas.
Por isso, é importante fazer com que o jovem obtenha atendimento médico. Alguns sinais que podem indicar comportamento suicida são:
Sinais que podem indicar comportamento suicida
FALAS SOBRE MORTE
Qualquer menção sobre morrer, desaparecer, pular de um edifício ou causar danos a si mesmo podem ser sinais de pensamentos suicidas.
PERDAS RECENTES
Essas podem ocorrer através de eventos como mortes, fins de relacionamentos ou perda de emprego. Também pode ocorrer com a diminuição do interesse por amigos, hobbies ou outras atividades que antes faziam sentido para o jovem.
MUDANÇAS DE PERSONALIDADE
Podem se manifestar com traços de tristeza, apatia, irritabilidade e ansiedade.
MUDANÇAS DE COMPORTAMENTO
Dificuldade de se concentrar na escola ou em outras atividades rotineiras.
SONO
Dificuldades para dormir, pesadelos ou sono em excesso podem ser sinais.
ALIMENTAÇÃO
Mudanças no padrão de alimentação podem se manifestar por perda de apetite, ou fome em excesso.
BAIXA AUTO ESTIMA
Sentimento de falta de amor-próprio, culpa, vergonha. Essa visão pode ser resumida pela frase ‘todo mundo estaria melhor sem mim’.
DESESPERANÇA
A falta de expectativa de que as coisas podem melhorar.
“É uma morte evitável. É como tomar uma vacina ou diminuir o sal. É possível buscar tratamento antes de chegar a uma consequência tão desastrosa.”
Alexandrina Meleiro
Psiquiatra e coordenadora da Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria