Há pouco menos de um mês, celebrou-se o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. A data foi fundamental para trazer o tema à tona. Mas depois disso, pouco se falou a respeito. O suicídio ainda é um assunto considerado tabu por muitos e, por isso, pouco discutido. Entretanto, o número de pessoas que tiram a própria vida tem avançado muito — e silenciosamente. No mundo, a morte por suicídio já é mais frequente que por HIV entre os jovens. No Brasil, o número de pessoas que se suicidaram perde apenas para homicídios e acidentes de trânsito entre as mortes por fatores externos (o que exclui doenças).
No mundo todo, o suicídio é predominante no sexo masculino, com exceção da Índia e China. No Brasil, não é diferente. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) concluiu que os homens têm 3,7 vezes mais chances de se matar que as mulheres.
“A diferença [de taxas] entre os gêneros é geralmente atribuída a maior agressividade, maior intenção de morrer e uso de meios mais letais entre os homens”, concluiu o estudo da UFBA. Ainda segundo o texto, as mulheres “são mais religiosas, o que pode se tornar um fator de proteção”.
O psiquiatra Rubens Pitliuk, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, disse em entrevista ao G1 que a principal razão para os homens conseguirem efetivamente tirar a própria vida é a forma como eles tentam se matar. “Suicídio em homem é mais violento que em mulher. As mulheres em geral tentam [se matar] tomando comprimidos. É mais difícil a mulher se jogar de uma janela”, explicou ao G1.
O estudo brasileiro, um dos mais completos sobre o tema, analisou dados do Sistema de Informações sobre a Mortalidade Brasileira (SIM), Datasus e IBGE entre 2000 e 2012, e mostrou que as pessoas que mais cometeram suicídio foram as menos escolarizadas, indígenas (132% mais casos que na população em geral) e homens maiores de 59 anos (29% a mais que as outras faixas etárias).
De acordo com o Mapa da Violência de 2014 (mais recente), tem sido registrado um aumento no número de suicídios em todas as faixas etárias: crianças, jovens, adultos e idosos. “Os suicídios no país vêm aumentando de forma progressiva e constante: a década de 1980 praticamente não teve crescimento (2,7%); na década de 1990 o crescimento foi de 18,8%, e daí até 2012, de 33,3%”, relatou o mapa.
Jovens e idosos em risco
Os especialistas entrevistados pelo G1 demonstraram especial preocupação com os jovens – segundo o Mapa da Violência, entre 2002 e 2012 houve uma alta de 15,3% na taxa de suicídio nessa faixa-etária no Brasil – e idosos que são a faixa com o maior índice – 8 suicídios para cada 100 mil habitantes, a maior do Brasil, segundo o Mapa.
Para o psiquiatra José Manoel Bertolote, consultor da OMS e autor do livro “O Suicídio e sua Prevenção”, ainda são necessários mais estudos para entender as causas do aumento das taxas entre jovens e adolescentes. “Estudos feitos na cidade de São Paulo sugerem que a falta de perspectivas de vida para muitos jovens – insegurança física e econômica, desemprego ou falta de acesso – aliada à desatenção e ao despreparo do sistema público de saúde agravam ainda mais a situação”, disse ao G1.
A psicóloga Karen Scavacin, uma das revisoras do documento “Preventing Suicide – A Global Imperative”, elaborado pela OMS, afirma que outras características do perfil dos jovens devem ser levadas em consideração. “Tanto a criança quanto o jovem tem uma impulsividade alta (…), ele ignora a irreversibilidade da morte”, alertou em entrevista o G1.
O acesso fácil a meios de incentivo associado ao aumento nos casos de cyberbullying – bullying feito pelas redes sociais e internet – também foi apontado como um fator importante pela psicóloga. “Hoje em dia é muito fácil você pesquisar como cometer um suicídio em qualquer mídia social. As pessoas não levam em consideração quando um adolescente ou uma criança fala que pretende se matar e isso deve ser uma das coisas que mais influencia”.
Todos os especialistas entrevistados avaliam que, nestes casos, pais e amigos tendem a achar que um comportamento agressivo é apenas uma “fase” difícil do jovem. “Um adolescente às vezes tem uma depressão não diagnosticada que vai aparecer como agressividade. Não é aquela depressão que as pessoas imaginam de ficar na cama, de não fazer mais nada. O adolescente sente muita dificuldade de pedir ajuda”, completa Karen.
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Segundo um relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em setembro, “as tentativas de suicídio de adolescentes estão muitas vezes associadas a experiências de vida humilhantes, tais como fracasso na escola ou no trabalho ou conflitos interpessoais com um parceiro romântico”.
Já no caso dos idosos, Bertolote acredita que o aumento da taxa de suicídio esteja relacionado ao “acúmulo de problemas de saúde, em sua maioria doenças crônicas e incuráveis, muitas vezes dolorosas ou de tratamento penoso, associado a um isolamento social progressivo, causados pela viuvez, separações, distanciamento de filhos e netos, por exemplo”.
Karen ressalta o fato de que os idosos tendem a “planejar” o ato por mais tempo o que contribui para o “sucesso” do plano. “Para cada quatro tentativas do idoso, temos um suicídio completo. Se a gente pensar em um adolescente, são 200 tentativas para cada um suicídio completo. Ou seja: o adolescente tenta mais, mas o idoso chega a cometer mais o suicídio.”
Causas
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a maior parte dos suicídios é cometido por pessoas com depressão, independente de sexo, faixa etária ou qualquer outra característica. Uma cartilha publicada pela organização esse mês aponta 15 causas frequentes que influenciam na retirada da própria vida, como o uso de álcool e drogas, perda ou luto e outros transtornos mentais, como a esquizofrenia, transtorno de personalidade, stress pós-traumático e outras doenças psiquiátricas.
Como ajudar
Vanessa Muller, neurologista e diretora médica da VTM Neurodiagnóstico, alerta para comportamentos comuns em suicidas como: alterações drásticas de humor, dificuldade de concentração e de tomada de decisões, sentimentos de raiva e vingança extremos, além de ansiedade, irritabilidade, sentimentos de culpa e vergonha.
“Uma pessoa que estava muito depressiva e melhora absurdamente, ou a pessoa que é muito ansiosa e, de repente, começa a ficar muito tranquila. Essas mudanças drásticas podem ser apenas um resultado da tomada de decisão de cometer o suicídio e seu respectivo planejamento”, explica.
Bertolote aconselha a “se dispor a se aproximar de alguém que demonstra estar sofrendo ou que apresenta mudanças acentuadas e bruscas do comportamento, ouví-lo e, se não se sentir capaz de lidar com o problema apresentado, ir junto em busca de quem possa fazê-lo mais adequadamente, como um médico, enfermeiro, psicólogo ou até um líder religioso”.
Os médicos enfatizam a importância da pessoa com essa tendência ou intenção ser encaminhada a um psiquiatra para um tratamento adequado, além do apoio familiar. Entretanto, os medicamentos levam tempo para surtir efeito. Por isso, é preciso atenção redobrada nos primeiros 30 dias após uma tentativa de suicídio e no início do tratamento.
Depressão não precisa acabar em suicídio
“A população precisa ser mais bem informada de que depressão é uma doença e tem tratamento. Boa parte das vezes, a pessoa se sente mal e não sabe que tem depressão. Se soubesse o nome da doença, talvez procurasse ajuda. E muitas vezes a família não percebe que ela está deprimida”, explicou Rubens Pitliuk ao G1.
O psiquiatra diz ainda que é importante quebrar o medo dos antidepressivos que, em casos de suicídio, são fundamentais. “O remédio é necessário se o paciente tem uma depressão clínica, em que já existem os sintomas físicos – queda de energia, dores no corpo, dores de cabeça, boca seca – ou seja, o organismo inteiro está depressivo. Agora, se você puder juntar o remédio com a ida a uma terapia, é melhor do que só o remédio. Se só puder escolher um, é melhor receitar o antidepressivo”.
Na rede pública, os especialistas recomendam procurar os Centros de Apoio Psicossocial (Caps), onde é possível marcar uma consulta com um profissional. O Centro de Valorização da Vida (CVV) também pode ser uma alternativa. Fundado em 1962 em São Paulo, faz um apoio emocional e preventivo do suicídio pelo número 141.
Mitos sobre o suicídio
“Quem fala, não faz” – Não é verdade. Quem realmente quer se matar não quer “chamar a atenção”, mas apenas dar um último sinal para pedir ajuda. Por isso, os especialistas pedem que um aviso de suicídio seja levado a sério.
“Não se deve perguntar se a pessoa vai se matar” – É importante, caso a pessoa esteja com sintomas da depressão, ter uma conversa para entender o que se passa e ajudar.
“Só os depressivos clássicos se matam” – Não. Pessoas com alta agressividade e impulsividade estão em tanto risco quanto aquelas que ficam em casa deitadas na cama o dia todo. Os médicos, inclusive, pedem para a família ficar atenta ao momento em que um depressivo sem tratamento diz estar bem: muitas vezes ele pode já ter decidido se matar e tem o assunto como resolvido.
“Quando a pessoa tenta uma vez, tenta sempre” – A maior parte dos pacientes que levam a sério o tratamento com medicamentos e terapia não chegam a tentar se matar uma segunda vez. O importante é buscar a ajuda.
http://veja.abril.com.br/saude/por-que-precisamos-falar-de-suicidio-com-urgencia/