Restringir acesso às formas mais comuns, como arma de fogo, pode ser caminho
Todos os anos, quase 40 mil americanos tiram a própria vida. A maioria deles são homens e, quase sempre, usam armas de fogo. Na verdade, mais da metade das mortes por arma de fogo nos Estados Unidos são suicídios.
Especialistas e leigos sempre presumiram que as pessoas que cometem suicídio teriam feito isso, mesmo que fossem impedidas por algum tempo. “As pessoas acreditam que se você quer mesmo morrer, sempre vai encontrar uma maneira”, afirmou Cathy Barber, diretora da campanha Means Matters, no Centro de Pesquisa no Controle de Ferimentos da Universidade de Harvard (EUA).
Em geral, acredita-se que a prevenção depende em grande parte da identificação das pessoas que podem se matar e da busca de um tratamento para elas. Porém, cada vez mais evidências indicam que essa visão está incorreta.
O suicídio pode ser um ato extremamente impulsivo, especialmente entre os mais jovens e, por isso, difícil de prever. A mortalidade depende mais dos meios do que do suicida.
Agora, muitos especialistas desejam repensar as estratégias de prevenção de suicídio. Ainda que tratamentos psicológicos e contra o uso de drogas sejam ferramentas importantes para prevenir suicídios, pesquisadores como Cathy destacam outra possibilidade: “a restrição dos meios”.
Ao invés de tratar o risco individual, essa restrição busca modificar o ambiente por meio da remoção dos modos pelos quais as pessoas geralmente se suicidam. É claro que sempre haverá como se matar. Mas esses pesquisadores creem que se forem instaladas grades na passarela de uma ponte, por exemplo, uma caloura cheia de problemas não vai conseguir se jogar lá do alto. Se os pais deixarem as armas trancadas em cofres, seus filhos adolescentes não conseguirão usá-las caso cheguem à conclusão de que não vale a pena viver.
Com a atenção nos suicidas, afirmam esses especialistas, não se dá importância suficiente à restrição dos meios pelos quais as pessoas se matam –especialmente quando se trata do acesso às armas.
“É possível reduzir substancialmente os índices de suicídio nos EUA, sem se preocupar com os problemas psiquiátricos por trás deles, desde que menos pessoas possuam armas em casa e menos pessoas do grupo de risco de suicídio tenham acesso a elas”, afirmou o Dr. Matthew Miller, um dos diretores do Centro de Pesquisa no Controle de Ferimentos da Universidade de Harvard.
Cerca de 90% das pessoas que tentam se matar e sobrevivem, não acabam morrendo em consequência de outra tentativa. Se as pessoas que morreram não tivessem acesso fácil aos meios, afirmam pesquisadores como Miller, boa parte delas ainda estaria viva.
Contudo, o grande público costuma ver a questão de outra maneira. Em 2006, pesquisadores da Harvard publicaram uma pesquisa de opinião a respeito de pessoas que pulam da Golden Gate Bridge, ponte que liga a cidade de São Francisco a Sausalito, na Califórnia. Entre os entrevistados, 74% acreditavam que a maioria dos suicidas teria se matado de um jeito ou de outro caso tivessem sido impedidos.
“Muita gente pensa no suicídio de uma maneira linear, como se você fosse ficando cada vez mais deprimido e acabasse fazendo planos específicos”, afirmou Cathy.
Na verdade, o suicídio quase sempre se dá em razão de uma convergência de fatores que levam a um evento repentino e trágico. Em um estudo envolvendo pacientes que sobreviveram a uma tentativa de suicídio, quase metade dos entrevistados relatou que o processo todo –desde o primeiro pensamento suicida até o ato final– durou menos de dez minutos.
Entre as pessoas que pensaram um pouco mais a respeito (digamos, por cerca de uma hora), mais de 75% agiu em no máximo dez minutos depois de tomar a decisão.
“Nossa capacidade de prever qual membro de determinado grupo de risco irá realmente se matar é bem ruim. É possível dizer que 10% das pessoas do grupo de risco se matam. Mas não dá pra dizer quem serão esses indivíduos”, afirmou Miller.
O Dr. Igor Galynker, diretor de Biopsiquiatria no hospital Mount Sinai Beth Israel, em Nova York, destacou que, em um estudo, 60% dos pacientes que faziam parte do grupo de baixo risco de suicídio se matou depois de serem liberados de uma UTI psiquiátrica.
“Nossa avaliação é ruim”, afirmou. Por isso, Galynker e seus colegas estão desenvolvendo um novo método de avaliação para prever o risco iminente, com base em novas descobertas acerca do estado suicida agudo.
“O que as pessoas vivenciam antes da tentativa de suicídio é uma combinação de pânico, agitação e descontrole, o desejo de fugir da dor e dos sentimentos insustentáveis aos quais estão presas.”
Por vezes, a depressão nem faz parte do quadro. Em um estudo, 60% dos universitários que admitiam pensar em formas de se matar não apresentavam quadro depressivo.
“Há muitos jovens para os quais é difícil prever o suicídio –não parece haver nada de errado com eles”, afirmou o Dr. David Brent, psiquiatra de adolescentes que estuda o suicídio na Universidade de Pittsburgh.
A pesquisa de Brent mostrou que 40% das crianças com menos de 16 que morreram em decorrência de uma tentativa de suicídio não possuíam problemas psiquiátricos visíveis. Tudo o que tinham era uma arma carregada dentro de casa.
“Se as crianças têm menos de 16 anos, a presença de uma arma dentro de casa é mais importante que um problema psiquiátrico. Em um minuto está tudo bem e, no seguinte, eles querem se matar. Ou então estão com muita raiva e sabem que há uma arma ali por perto”, afirmou Brent.
A presença de armas é um fator consistente na forma como as pessoas decidem tentar o suicídio, de acordo com Cathy, independentemente da idade. As pessoas que querem morrer não costumam procurar o método mais eficiente, mas o mais acessível naquele momento.
“Alguns métodos só funcionam em 1% ou 2% das vezes. Com armas, esse total gira em torno de 85% a 90%. Por isso, o acesso a armas é um fator importantíssimo no caso de tentativas de suicídio não planejadas”, afirmou ela.
Do ponto de vista estatístico, ter uma arma em casa aumenta a probabilidade de suicídio em todas as faixas etárias. Se a arma está descarregada e trancada em algum lugar, o risco diminui. Se não há arma de fogo na casa, o risco de suicídio cai ainda mais.
Descobertas desse tipo não são nada populares. Os contribuintes não gostam de gastar dinheiro público em infraestruturas que eles acreditam ser apenas paliativas para pessoas que desejam cometer suicídio, e o momento político não é nada favorável ao controle de armas. Porém, o acúmulo de evidências em relação à imprevisibilidade do suicídio, aliado aos estudos que mostram que a restrição dos meios pode funcionar, não dá muitas escolhas às autoridades de saúde pública que buscam diminuir a incidência de suicídios.
Ken Baldwin, que saltou da Golden Gate Bridge e sobreviveu, afirmou aos repórteres que percebeu logo que saltou que tinha cometido um erro terrível. Ele queria viver. Baldwin teve sorte.
Cathy conta outra história: no primeiro dia de um amigo no pronto socorro, um paciente chegou de cadeira de rodas; um jovem que havia atirado na cabeça em uma tentativa de suicídio. “Ele implorava para que os médicos o salvassem”, afirmou, mas eles não conseguiram.