Para quem busca entender o comportamento suicida, depressão e ansiedade para além de referências técnicas, os livros autobiográficos podem ser um recurso enriquecedor, ajudando a integrar os aspectos de saúde mental à complexa questão do sofrimento existencial, que é sempre muito particular em cada caso.
Neste post, trago um pouco do livro “Razões para continuar vivo”, de Matt Haig, publicado pela Editora Intrínseca em 2015.
Sinopse: “Com pouco mais de 20 anos, Matt Haig viu seu mundo ruir. Ele simplesmente não conseguia mais encontrar dentro de si a motivação para permanecer vivo. Na época, Matt morava em Ibiza, Espanha, perto de um penhasco. Em meio à neblina da depressão, ele foi até a beirada do precipício e olhou para o mar. Era a paisagem mais linda que já tinha visto, e ainda assim aquilo não parecia mais ter importância. Sem encontrar sentido na vida, Matt queria apenas dar um fim ao vazio em seu peito. Entretanto, em vez de se jogar, ele recuou. Ao intercalar diversos episódios dos três anos em que sofreu de depressão com diálogos internos entre o eu do passado e o eu do presente, listas breves das atividades que o ajudaram, tuítes de leitores, além de dados sobre a doença que afeta milhões de pessoas no mundo todo, Matt Haig constrói uma obra única e delicada. Razões para continuar vivo é mais do que um livro de memórias: é uma análise comovente sobre como viver melhor, amar melhor e se sentir mais vivo”.
Já na apresentação, Haig, que é autor de outras obras, diz que este livro um dia lhe pareceu algo impossível:
“Um dos principais sintomas da depressão é a falta de esperanças. Não visualizar um futuro. Em vez de ter uma luz em seu fim, o túnel parece fechado nas duas extremidades, e você está ali dentro. De modo que, se pelo menos eu pudesse saber o que o futuro traria, que ele seria muito mais brilhante que qualquer outra coisa que eu já houvesse vivenciado, uma das extremidades do túnel teria sido posta abaixo, e eu poderia ter visto a luz. A existência deste livro, então, é uma prova de que a depressão engana. Ela nos leva a pensar em coisas que estão erradas” (p. 09).
Ao longo do texto, Haig vai narrando sua jornada, desde o dia começou a ter sentimentos de angústia e pensamentos de morte, que ele chama de “O dia em que eu morri”.
“Se algum dia você achou que o desejo de uma pessoa depressiva é ser feliz, está enganado. Ela não está nem aí para o luxo da felicidade. Quer apenas ausência de dor. Escapar de uma mente em chamas, na qual os pensamentos ardem e fumegam feito objetos antigos perdidos num incêndio criminoso. Ser normal. Ou, já que normal é impossível, vazio. E a única maneira de me sentir vazio era parar de viver” (p. 19).
Tenho ouvido de muitos pacientes com depressão que até passarem por essa situação, eles achavam que isso era frescura, falta de vontade, de esforço ou algo assim. Somente vivenciando o sofrimento (ou vendo a dor de alguém próximo) eles conseguiam de fato compreender do que se tratava. A leitura deste livro pode também ser uma forma de se aproximar desse assunto.
Em um momento limite, o autor consegue encontrar forças para procurar ajuda e narra também os altos e baixos, esperados, no percurso. Fala que cada história de tratamento também será muito particular, das pesquisas e possibilidades que encontrou, e nisso vai nos fazendo pensar que o principal é não desistir.
“Reluto em me pronunciar contra qualquer tipo de remédio porque sei que determinados medicamentos funcionam para certas pessoas. Em certos casos, eles parecem entorpecer a dor o bastante para que de fato ocorra o verdadeiro esforço da melhora. Em outros, proporcionam uma solução parcial de longo prazo. Muitas pessoas não conseguem dispensá-los” (p. 30).
O apoio familiar, o cuidado de bons profissionais, enfim, não estar sozinho, podem fazer a diferença. Porém, é sempre bom lembrar que isso não quer dizer que as pessoas que completaram o suicídio não tivessem essa rede de apoio. O suicídio é multifatorial e por isso dependerá de uma complexa rede de fatores. Para o autor, a relação com a esposa foi uma das bases de sustentação durante o processo.
“Pois vou contar uma coisa a vocês. Algo que pode parecer boboca e sentimentaloide a olhares desatentos, mas em que — posso garantir — acredito plenamente. O amor me salvou. Andrea. Ela me salvou. Seu amor por mim e meu amor por ela. E nem foi só uma vez. Repetidas vezes. De novo e de novo” (p. 82).
Cada pessoa encontrará suas próprias razões para continuar vivendo. Para Haig, algumas razões para continuar vivo foram:
“As coisas não vão piorar. É o ponto mais baixo. Daí só é possível subir.
Praticamente qualquer ser humano seria capaz de encontrar um motivo para se odiar se pensasse tanto no assunto quanto você. Nós, seres humanos, somos todos uns canalhas completos, mas também perfeitamente maravilhosos.
A mente tem um clima próprio. Você está num furacão. E os furacões acabam perdendo força. Aguente firme.
Ignore o estigma. Toda doença um dia teve o seu estigma. A gente tem medo de ficar doente, e o medo leva ao preconceito antes de levar à informação. A culpa da pólio, por exemplo, costumava ser atribuída aos pobres. E a depressão muitas vezes é vista como “fraqueza” ou falha de caráter.
Um dia você vai sentir uma alegria equivalente a essa dor. Vai derramar lágrimas de euforia ouvindo Beach Boys, observar o rosto de um bebê adormecido nos seus braços, fazer grandes amizades, saborear comidas deliciosas que nunca experimentou, contemplar a paisagem de um lugar bem alto sem pensar na possibilidade de morrer na queda. Existem livros que você ainda não leu que vão enriquecê-lo, filmes que verá enquanto come sacos gigantes de pipoca, e você vai dançar, rir, fazer sexo e sair para correr à beira do rio e conversar noite adentro e rir até chorar. A vida está esperando você. Você pode estar preso aqui por algum tempo, mas o mundo não vai a lugar nenhum. Aguente firme aí se puder. A vida sempre vale a pena”.
Enfim, por trazer uma escrita muito pessoal e profunda, “Razões para continuar vivo” é um livro que traz muitas reflexões e aprendizados.
Boa leitura!
Por: Luciana França Cescon – Psicóloga e parte da Equipe do Vita Alere