RESUMO Quando tinha 13 anos, a canadense Alicia Raimundo tentou se matar. Não parecia se encaixar em nenhum lugar e achava estranho não conseguir ser feliz apesar de ter um lar estável, bons pais e tudo o que precisava. O que nem ela nem seus pais sabiam é que Alicia tinha depressão. Ao sobreviver a essa experiência e entender mais sobre a doença, ela achou que havia algo errado na forma como o assunto era abordado nas escolas, na mídia e no dia a dia. Hoje, aos 27, dá palestras sobre o assunto, participa de vários projetos de apoio a pacientes, dá consultoria para a série de TV canadense ‘Degrassi’, que criou uma personagem com depressão, e tem um livro seu, sobre sua história, usado em escolas canadenses.
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“Quando eu era mais nova e todo mundo estava feliz, eu estava triste e deprimida. E eu não fazia ideia do porquê. Eu vivia em uma comunidade estável, meus pais eram ótimos pais, eu frequentava a escola, e não precisava de nada. Era muito estranho não conseguir ser de outro jeito.
Quando eu percebi que tinha algo errado, tentei fazer o que todo mundo diz pra você fazer: praticar exercícios, sorrir mais, agradecer pelas bênçãos na sua vida, ter mais pensamentos positivos, mas nada disso funcionava.
Até que fiquei desesperada e tentei falar com várias pessoas, mas ninguém me escutava. Meus pais disseram que eu estava sendo muito dramática, que era só uma fase da adolescência, e meus professores me chamavam de louca. Foram esses pensamentos e sentimentos que me fizeram acreditar que eu estava sozinha e que talvez eu não merecesse estar aqui e viver.
Até que quando eu tinha 13 anos eu tentei me matar. E posso dizer que minha vida foi salva por uma senhora que estava na clínica comigo. Ela não parava de olhar pra mim, até que chegou perto e disse: ‘De uma pessoa louca para outra’. E me deu um colar prateado com um pingente que dizia ‘hope’ [esperança].
Essa mulher enxergou a doença dela em uma menina que precisava de ajuda, foi até ela e a apoiou.
Foi depois desse evento que eu descobri o que tinha e percebi que a forma como a gente falava de saúde mental estava errada. Lembro de dar um Google e não achar informações que dissessem ‘Ei, essa coisa chamada depressão é assim’. Ou então achava textos escritos por médicos que não faziam sentido pra mim ou que diziam que a depressão é uma desculpa.
Na TV, a gente vê coisas como a ‘crazy cat lady’ nos Simpsons ou notícias que dizem que todo assassino e terrorista é doente mental. O que eu tento mostrar é que essas pessoas podem até se encaixar nessa categoria, mas um monte de pessoas incríveis também, de mendigos a CEOs.
Depois daquele evento eu escolhi algo no que me agarrar, pra me dar esperança: a formatura da minha irmã na high school [equivalente ao ensino médio no Brasil]. E eu sabia que faria o que fosse possível pra estar lá. Levei um bom tempo, acho que uns sete anos, pra ficar bem e encontrar um bom terapeuta. Foi uma luta difícil e diária.
Depois da formatura dela, lembro de estar sentada no meu quarto e pensar: ‘Ok, e agora?’. Pensei em como eu via tanta gente sofrer de depressão e morrer por causa disso e quis mudar isso. O primeiro passo, eu pensei, era ser honesta e contar minha história. Ao trazer o tema à tona, algumas pessoas fogem do assunto e não querem falar comigo, mas muitas e muitas outras querem.
Uma das coisas que eu tento fazer é dizer o que é depressão, qual é a cara dela, em linguagem simples, para que as pessoas pensem: ‘Ok, eu tenho uma doença, não sou preguiçoso, errado ou simplesmente estranho’.
Hoje eu consigo me entender, estou estável e, mesmo que eu tenha alguns dias ou alguns meses mais difíceis,eu sei como sobreviver. Isso significa que eu posso transmitir isso aos outros. Se tem um pai que está frustrado com o filho dele, eu consigo conversar para evitar que ele cobre algo como ‘por que você não está melhorando depressa?’. Eu gosto de ser essa pessoa que responde às perguntas difíceis e que apoia as pessoas para que elas não joguem esse peso sobre quem está doente.
Quero ter certeza também de que estamos construindo algo além de dar palestras. O livro que escrevi [“Red Carnations”, sobre sua história] é usado em escolas canadenses; aconselho empresas sobre como abordar o assunto saúde mental; trabalho com jovens para incentivá-los a contarem suas histórias e ainda ajudo a criar programas de saúde mental.
Uma coisa perigosa que está acontecendo no Canadá é que estamos falando mais de saúde mental, mas não estamos criando mais espaço para tratamento. Estamos aconselhando as pessoas a buscar ajuda, mas elas simplesmente não a encontram ou então veem uma fila de espera de três anos pra fazer terapia.
Hoje eu trabalho para vários projetos, como o BeChange [que oferece tratamento e apoio gratuito] e o Access Open Minds [que dá treinamento para que adolescentes e jovens adultos que já tiveram depressão ajudem os outros]. Também ajudei a fundar a Stella’s Place, uma clínica que funciona em Toronto e conecta pessoas que já passaram por esse tipo de experiência. Ouvir que a depressão tem cura e que vai passar de alguém que já passou por isso faz diferença, tipo ‘você realmente entende o que eu estou sentindo’.
Também é importante pra mim apoiar serviços que usam tecnologia. Se você mora em uma área muito remota e tem internet, é o que basta para conseguir ajuda. Vejo que muitas pessoas, mesmo as que moram em cidades grandes, têm muita dificuldade de sair de casa, de levantar da cama.
Ajudar as pessoas é uma responsabilidade louca, mas também é muito legal. O que eu faço é, basicamente, transmitir a mensagem. Se elas a abraçam e decidem continuar vivendo, isso significa que elas mesmas estão salvando a própria vida. Tudo que fiz foi contar minha história.
Meu objetivo agora é ajudar os jovens da minha comunidade. Meus pais são portugueses e vivemos num bairro de portugueses e brasileiros. Muitos dos jovens ali não estão indo tão bem. A maioria deles tem pais com baixos níveis de educação, que vieram pra cá pra tentar uma vida melhor, e eles têm a maior taxa de evasão escolar de Toronto. Poucos chegam à universidade. Queria mostrar que eles podem também ter uma vida mais próspera e algo melhor do que ficar sentado no McDonald’s o dia inteiro.”