Quando uma pessoa famosa se mata, é comum vermos notícias relacionando o suicídio à depressão. Intuitivamente, tendemos a pensar que uma pessoa vai se matar por estar deprimida. Mas isso é verdade em termos.
Um dos mais importantes periódicos em psiquiatria, o British Journal of Medicine, publicou na década de 90 um grande levantamento sobre suicídio e diagnóstico psiquiátrico. Com exceção da demência, do retardo mental e da agorafobia (uma espécie de medo de sair de casa), todos os diagnósticos psiquiátricos tiveram uma taxa de mortalidade por suicídio muito maior que a da população sem diagnóstico.
Ou seja, o risco de suicídio está muito associado à presença de basicamente qualquer diagnóstico psiquiátrico. Não obstante, a maior taxa de mortalidade por suicídio foi observada para a dependência de sedativos (ansiolíticos). Logo depois vinham a anorexia nervosa, a depressão, e depois outros quadros de humor (incluindo o transtorno afetivo bipolar) e psicoses reativas. Esses são os diagnósticos que mais matam por suicídio, por assim dizer.
Outra publicação também da década de 90, desta vez do American Journal of Psychiatry, descreve que dos 229 suicídios analisados, a maior parte das pessoas tinha depressão, correspondendo a 39%. Não obstante, 19% tinham distúrbios relacionados ao uso de álcool, 5% transtornos relacionados ao uso de outras substâncias, e 9% tinham algum diagnóstico de personalidade. E havia 2% que não tinham diagnóstico psiquiátrico.
Assim, apesar de a anorexia nervosa ser mais “letal” do que a depressão neste sentido, há mais deprimidos que cometem suicídio pelo fato de a depressão ser muito mais comum do que a anorexia.
Mas quando falamos de Chester Bennington, tendemos a analisar as “letras depressivas” de suas últimas músicas e falamos só da depressão. Por que não falar dos outros diagnósticos, ou dos transtornos mentais em geral?
Sabemos que muito comumente músicos e outros artistas têm problemas relacionados ao uso de drogas. Chester, por exemplo, começou a usar maconha cedo em sua vida, passando depois rapidamente para a cocaína e a metanfetamina.
Chester também sofreu abuso sexual dos sete aos 13 anos de idade. Assim, temos que falar da depressão, mas também da dependência química, dos transtornos de personalidade, do transtorno bipolar, do transtorno de estresse pós-traumático, de outras questões decorrentes do abuso sexual na infância, e assim por diante.
Ou seja, focar apenas na depressão ou mesmo no uso de drogas como causa do suicídio é meramente inferencial, assim como qualquer discussão diagnóstica “à distância”. Não se pode saber ao certo qual questão de saúde mental em específico levou o cantor ao suicídio. Assim como só ele sabia a dor que o levou a tal atitude triste e violenta.
Por último: os artistas se matam mais? Sim. Diversos levantamentos já mostraram que eles cometem mais suicídios. Basta ver a extensa lista de suicídios recentes que ocorreram, entre eles Robin Williams e Chris Cornell.
Diversos fatores foram aventados para essa associação. O jogo de expectativas e frustrações ao compor e apresentar uma obra própria ao público. A exposição da própria vida naquilo que produz. O “reviramento” de histórias pessoais difíceis, de sentimentos complicados e de angústias para a produção artística. A gangorra emocional que muitas vezes está envolvida no processo de criação. E o consumo de drogas que muitas vezes é usado para amplificar essa gangorra, em uma busca por novidade e por emoção que muitas vezes se torna patológica.
Em suma, a morte de Chester deve ser um alerta ao suicídio e aos distúrbios mentais em geral, e também à questão do abuso sexual na infância, ainda um tabu para muitos.
Caso você — ou alguém que você conheça — precise de ajuda, ligue 141, para o CVV – Centro de Valorização da Vida, ou acesse o site. O atendimento é gratuito, sigiloso e não é preciso se identificar. O movimento Conte Comigo oferece informações para lidar com a depressão. No exterior, consulte o site da Associação Internacional para Prevenção do Suicídio para acessar redes de apoio disponíveis.