A prevenção ao suicídio é pouco debatida e, por falta de informação, muitas vezes as pessoas com ideação suicida não procuram um psicólogo para tratar os fatores que as levam a considerar o ato.
Assim, já que na maioria dos casos o paciente não passa pela etapa de prevenção, o primeiro contato clínico que tem é com os enfermeiros de atendimento de urgência e de emergência, logo após já ter feito uma tentativa de tirar a própria vida.
A relevância do profissional de enfermagem nesses casos levou o o psicólogo Daniel Fernando Magrini a estudar o tema, resultando na dissertação de mestrado Atitudes dos profissionais de enfermagem que atuam em emergências diante do comportamento suicida e fatores associados, defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.
Para avaliar se os técnicos e enfermeiros de hospitais da cidade estão preparados para atender esse público, o pesquisador entrevistou alguns profissionais que já tiveram contato com esta situação e distribuiu questionários sobre as atitudes deles diante do comportamento suicida, verificando como se sentiam a respeito.
Treinamento para atender
No questionário, as pessoas deveriam sinalizar o quanto concordavam ou não com afirmações como “Sinto-me capaz de ajudar uma pessoa que tentou se matar”, “Quem fica a ameaçar, geralmente não se mata”, “Diante de um suicídio penso: ‘Se alguém tivesse conversado, a pessoa teria encontrado um outro caminho’”, entre outros 18 enunciados que giram em torno de reações e noções religiosas, sentimentais e de direito dos profissionais.
Sobre a primeira afirmação, Magrini verificou que existem reações diversas e até mesmo ambíguas. “Como o questionário avalia diversos fatores, às vezes a pessoa entra em contradição. Neste ponto, as pessoas diziam se sentir capazes, mas admitiam não ter condições técnicas para cuidar daquilo. Elas têm vontade de ajudar, mas não têm a habilidade”, explica o psicólogo.
Ao se depararem com pacientes suicidas nas emergências, os enfermeiros também sentiram desde impotência e tristeza, por não saberem lidar com a situação, até felicidade, quando conseguiram tratar o caso adequadamente.
“Os enfermeiros já recebem alguns treinamentos gerais para lidar com o sofrimento, o que é um ponto positivo, mas a maioria nem sequer tinha treinamento em psiquiatria”, afirma Magrini. Dos 146 profissionais que participaram da pesquisa, 75,3% não possuíam qualquer formação sobre saúde mental. Além disso, apenas 17 tinham a devida instrução para lidar com suicídio, o que corresponde a 11,4% do total.
Considerando as particularidades e complicações do suicídio, o psicólogo ressalta que o treinamento específico para esta situação é necessário para todos os profissionais.
“Se um paciente tem um caso de psicose, de alucinação, e diz que está ouvindo uma voz que o manda se matar, o profissional não pode tratar isso como um mero delírio. Ele tem que pensar na questão do suicídio, porque, se ele não tratar especificamente esse comportamento, essa pessoa pode vir, de fato, a se suicidar”, explica.
Prevenção
Para o pesquisador, dois caminhos devem ser tomados para alavancar a prevenção: um na academia e outro com a participação de toda a população. “Desde o início da sua formação, o enfermeiro precisa ter contato com a questão. Os profissionais devem estar melhor preparados”, reitera. “Dar uma atenção especial ao debate sobre suicídio é um passo primordial, pois a formação em saúde mental é muito ampla e generalizada, então o suicídio é visto como uma circunstância dentre tantas outras que acometem os pacientes.”
Entre a população, Magrini também sugere que o assunto seja discutido constantemente nas escolas e em unidades de saúde, até que o tabu seja quebrado. “Como se fosse um assunto comum, como é o jeito certo de se tratar o suicídio.”
Através da pesquisa, o psicólogo avaliou que a falta de treinamento de técnicos de enfermagem e de enfermeiros dos hospitais públicos pesquisados os leva a tomar atitudes inadequadas ou condenáveis.
Alguns, cientes de que não possuem o treinamento necessário, preferem não cuidar desses casos, seja por convicções religiosas, morais ou até mesmo experiências pessoais, visto que cerca de 6% dos profissionais que responderam ao questionário concordaram plenamente com a afirmação “Eu já passei por situações que me fizeram pensar em cometer suicídio”.
Nessas situações, a atitude correta a ser tomada é repassar o atendimento para um colega que esteja apto a tratar do paciente vulnerável. “Ao notar o comportamento do paciente, o enfermeiro deve passar a informação para a equipe multiprofissional e avaliar quem pode ajudar a complementar o atendimento. É um atendimento em equipe, multidisciplinar e ininterrupto. Cada profissional, médico, psicólogo, enfermeiro, cuida de um aspecto”, instrui Magrini. “Caso profissionais da área administrativa que estejam na recepção da emergência percebam esse comportamento, eles também podem e devem comunicar a equipe médica e assim evitar que vidas sejam perdidas.”
O comportamento suicida pode ser identificado por alguns sinais como semblante entristecido, vestígios de autolesão como cortes e tentativa de tomar altas doses de medicamento, conversas sobre como a pessoa se sente decepcionada com a vida e não vê mais motivos para viver. Além disso, frequentemente a ideação suicida é uma consequência de alguma doença mental, como depressão e esquizofrenia.
Trabalho conjunto
Ajudar a prevenir o suicídio é algo que pode e deve ser feito por todos. Perguntar ao próximo se está tudo bem, não subestimar a situação da pessoa e procurar um profissional capacitado para cuidar da situação são alguns passos que podem evitar a perda de uma vida, aconselha o especialista.
Se você notar uma pessoa chorando no trabalho ou na fila do banco, você pode perguntar a ela se você pode ajudá-la em algo. Isso é uma questão de humanidade, não precisa ter muito conhecimento. Mas se passar de um ponto que você não sabe lidar, peça ajuda a quem saiba.”
Ele orienta ainda a deixar de lado opiniões moralistas e sentenciosas e, sob qualquer circunstância, não subestimar a ideação suicida. “Não é um comportamento passageiro. A pesquisa mostra que se a pessoa tem indícios de que quer se matar, geralmente ela se mata mesmo.”
Para Magrini, esta análise sobre a formação de profissionais da área da enfermagem é um resultado inicial de uma linha de pesquisa que deve se expandir. O psicólogo pretende continuar realizando entrevistas com enfermeiros para investigar o significado do suicídio entre os profissionais.
Números
Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida e, para cada vítima, cerca de 10 a 20 tentativas foram feitas. No total, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o suicídio é a causa de 800 mil mortes anuais em todo o mundo, sendo que três quartos dos casos acontecem em países de média e baixa renda.
Neste cenário, o Brasil se destaca com números alarmantes. Dados de 2012 colocaram o País na oitava posição entre as nações com mais casos: foram 11.821 vítimas, um aumento de 10,4% em relação ao ano 2000, se tornando a quarta maior taxa da América Latina.
Apesar dos números assustarem, pouco está sendo feito sobre a questão. Apenas 28 países possuem uma estratégia nacional de prevenção ao suicídio, segundo a OMS. No Brasil, há o Centro de Valorização à Vida (CVV), fundado em São Paulo em 1962, mas o projeto não consegue evitar, sozinho, que os casos de suicídio aumentem no País.
Só no Estado de São Paulo, o boletim SP Demográfico realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) divulgou que o suicídio cresceu 30% entre 2001 e 2014. As maiores taxas são encontradas nas cidades de Marília e Ribeirão Preto, onde ocorrem 8,6 e 7,5 casos a cada 100 mil habitantes, respectivamente.
FONTE: JORNAL DA USP