Então é Natal. E os primeiros acordes da música de John Lennon “… So this is Christmas. And what have you done” tem um significado especial na minha memória. É a última imagem do meu filho Gabriel que, naquele 23 de dezembro de 2001, ensaiava essa canção, junto com o irmão, para tocar no dia seguinte, véspera de Natal, na festa que sempre reunia nossa família em casa. Nosso Natal não aconteceu naquele ano. O Gabriel saiu naquela noite para comemorar com amigos e não voltou para casa para tocar esta ou qualquer outra música. Meu querido filho tinha 20 anos e um presente especial debaixo da árvore para celebrar sua entrada na faculdade. Não me lembro muito de como aquele presente, uma passagem para Nova York (naquele tempo ainda tínhamos passagens de papel!), ou todos os outros que ali estavam desapareceram e de como todos os preparativos da festa foram cancelados na comoção. Tenho uma foto, com uma cara horrível, na frente da árvore, no dia seguinte, com uma sobrinha bebê no colo, a Catarina, que nascera nos Estados Unidos e viera pela primeira vez participar com seus pais daquele Natal que não houve.
E então, um ano depois, era Natal de novo. E nós tínhamos uma decisão a ser tomada: faríamos a festa? Ou fugiríamos da data e tudo o que agora ela representava indo viajar? O que antes era uma celebração tão alegre com a família, teria para sempre a marca do trágico e da ausência? Era essa sombra que eu queria que emoldurasse o rosto luminoso do meu filho? Sua ausência seria maior do que a linda presença que fora? O próprio Natal, que celebra o nascimento de Jesus Cristo (e não a sua morte) já tinha a resposta: a nossa festa de Natal em casa ia acontecer de novo e seria, como é até hoje, minha homenagem ao Gabriel. Alegre como ele. Iluminado e generoso como ele.
Daquele ano em diante, foram 16 Natais. As crianças cresceram, os filhos e sobrinhos se tornaram adultos, tiveram filhos e a família cresceu. A cada ano, a presença de todos, com a casa sempre tão linda e cheia de luzes coloridas de velas, vinho bom e comidas deliciosas reforçam a sensação de que nossa decisão foi a mais certa: a de continuar a celebrar. Eu sei que muitas pessoas, como eu, enfrentam nesta data um vazio gigante, a melancolia que envolve o final do ano e o desejo infinito de que nossos queridos jamais tivessem partido. Que o milagre de Natal pudesse trazê-los de volta para nós. O que eu posso dizer é que conheço e respeito a dimensão profunda dessa tristeza. Para mim, a trágica coincidência das datas contribui ainda mais para marcar de forma definitiva a minha vida, a vida da minha família em “antes e depois”. Mas sei também que preencher o vazio da saudade com amor e alegria foi o melhor bálsamo para meu coração partido. São os abraços, as risadas, a conversa e os reencontros que nos ajudam a entender que alguma coisa ali permanece viva. E que lembrar e falar dos nossos amores que se foram é mantê-los sempre por perto.
A festa de Natal, devolve, todos os anos, a magia do Gabriel para mim. Meus sobrinhos refletem o seu sorriso brincalhão, as músicas o seu jeito alegre e estabanado de caminhar pela vida. E posso jurar: eu o sinto sempre juntinho de mim, muito feliz.
Esta foi a minha forma de lidar com o luto. A que me coube e que me trouxe conforto. No entanto, como aprendemos aqui com todas as belas histórias que compartilhamos, não é a única, nem um modelo a ser seguido. Como repetimos sempre: não tem o jeito certo e o jeito errado de viver o luto. Cada um pode e deve seguir o seu coração. Se as festas natalinas me deixam feliz, há quem se sinta bem no recolhimento, no sossego interior.
O que desejo a todos que nos seguem aqui é que encontrem, neste momento especialmente delicado, o seu próprio milagre de Natal. Com a felicidade possível e o encantamento pela vida que, espero, a gente não perca jamais.