Não sou uma heroína”, diz Gillian Assor seis meses depois de evitar o suicídio de um rapaz que estava em uma ponte ferroviária perto de Londres. “Eu só estava passando por ali.”
Segundo dados da Polícia de Transportes Britânica, houve em 2018 um aumento de 20% no número de casos de pessoas comuns intervindo em tentativas de suicídio.
Em maio, enquanto passeava com seu cachorro, Gillian se tornou uma dessas pessoas.
“No começo eu não sabia do que se tratava”, contou à BBC. “Mas, conforme me aproximei, percebi que era uma pessoa chorando, chorando copiosamente.”
“Eu tinha que ter um plano”
Naquele momento, Gillian percebeu que devia lidar com a situação com muita cautela, mas só meses depois daquele momento ela entendeu os impactos da sua decisão.
“Eu sabia que tinha que ter um plano”, afirma.
Ela temia que o homem pudesse ser agressivo, verbalmente ou fisicamente, mas tinha certeza de que, independentemente de qualquer coisa, “não passaria reto dele”.
Lentamente, com seu cachorro à espreita, ela se aproximou e perguntou ao jovem se ele “estava bem”.
O que fazer em posições como a de Gillian?
A organização filantrópica dos Samaritanos lançou, no Reino Unido, uma campanha justamente para que pessoas comuns mediem o contato com aqueles prestes a tentar suicídio: a mobilização chama-se “Small talk saves lives”, algo como “Uma simples conversa salva vidas”. Participam da ação também órgãos de segurança e de transporte.
“Uma conversa simples como as que fazemos todos dias pode ser o necessário para interromper os pensamentos suicidas de alguém, levando-o ao início de uma jornada de recuperação”, diz o site da campanha. “Se você ver alguém que pode estar precisando de ajuda, confie nos seus instintos e comece uma conversa.”
Seguem algumas orientações indicadas pela campanha:
– O que dizer: Segundo os Samaritanos, “não há evidências de que intervir quando alguma pessoa está sob risco pode piorar a situação. Não há uma forma certa de intervir, apenas dê o seu melhor”.
– O que esperar como reação: A campanha alerta que, para uma pessoa considerando se suicidar, pode levar tempo para perceber que há outra pessoa falando com ela ou, em outros casos, a reação pode ser defensiva ou agressiva. Aqueles que intervêm devem buscar se manter pacientes, receptivos e no raio de visão daqueles que precisam de ajuda.
– Em busca de aliados: Ambos envolvidos na situação, a pessoa em risco e aquele que intervém devem sempre considerar buscar a assistência de funcionários e agentes no entorno. Isso serve tanto para a situação de risco quanto para depois, quando uma assistência a longo prazo, por terapeutas e organizações dedicadas à prevenção do suicídio, é fundamental.
Fonte: Samaritans.org (em inglês)
“Não, não estou”, ele gritou de volta.
“Pude ver que ele estava em uma situação muito ruim”, diz Gillian. “Ele estava com raiva, mas chorando também”.
Ela diz ter decidido naquele momento “ser corajosa”, aproximando-se dele e o convenceu a sentar-se no asfalto – “ele de um lado, eu do outro e o cachorro no meio”.
A partir de seu convívio com a filha e dos momentos em que a ajudava a lidar com a ansiedade, Gillian sabia da importância deste tipo de diálogo. Ela então começou a fazer perguntas básicas como o nome do homem e de onde ele era.
Seu nome era Tommy. Ele tinha 23 anos de idade.
Reencontro online e real
Depois de “10 ou 15 minutos”, Tommy começou a se acalmar, mas “ainda falava de forma monossilábica”.
Após algum tempo, ele contou a Gillian porque estava ali – mas isso, diz ela, é um assunto que permanecerá somente entre eles.
Eventualmente, ela convenceu o jovem a ligar para os pais.
A mulher esperou que a família chegasse.
“Fiquei um pouco estarrecida, me perguntando: ‘Isso acabou de acontecer mesmo?'”, conta Gillian sobre os momentos imediatamente posteriores ao encontro.
Ela só comentou com sua mãe e uma amiga sobre a experiência. No final do ano, porém, percebeu que pessoas desconhecidas estavam falando da história… na internet.
Em um domingo de manhã, seu marido mostrou-lhe um post no Facebook.
A mensagem dizia: “Sei que estou pedindo o impossível, é como procurar uma agulha no palheiro, mas há quatro meses tentei tirar minha vida e uma pessoa desconhecida me parou com seu cachorro…”.
Enquanto lia o post, Gillian percebeu que ela era aquela pessoa.
Decidiu não responder: “Pensei: Não se trata de algo referente a mim, não deveria ser algo sobre mim. É algo dele (Tommy)”.
Mas seu marido enviou uma mensagem particular para o jovem, dizendo que a pessoa buscada era sua esposa. Gillian e Tommy se falaram por telefone naquele dia.
Três dias depois, marcaram de se encontrar em um pub local.
“Eu o vi andando desde o outro lado do pub. Ele me abraçou e eu pensei: ‘Que seja abençoado'”.
Tommy a abraçou por mais de um minuto, dizendo: “Você salvou minha vida. Você salvou minha vida”.
“Arrebatador”
Os dois passaram uma hora juntos, momento que Gillian descreve como “especial”.
“Desde então, passeamos com o cachorro algumas vezes e nos falamos de duas a três vezes por semana”, diz ela.
“É o sentimento mais arrebatador que já tive, além de dar à luz.”
“Ele está em meu coração agora. A conexão está aí e é inacreditável”.
“É um vínculo muito incomum. Não é espiritual, é apenas algo invisível e não tangível que está no meu coração.”
Tommy ainda está esperando por aconselhamento no sistema público de saúde, diz Gillian, mas a dupla planejou um retorno à ponte onde se encontraram “para viver uma nova e agradável experiência” lá.
*A BBC agradece aos Samaritanos pela assistência na pesquisa desta história.
https://www.terra.com.br/noticias/mundo/europa/meu-reencontro-com-jovem-que-salvei-do-suicidio,b0e6dec3c0827544a1a3fff37b5c9805rujnre5d.html