Os homens têm probabilidade duas vezes maior que as mulheres de sentir que carregam a responsabilidade financeira de um relacionamento, revelou um estudo crítico sobre as pressões enfrentadas pelos homens em 2016.
Enquanto 31% dos homens provavelmente acham que precisam ser mais responsáveis que sua parceira pelas questões financeiras, apenas 14% das mulheres sentem o mesmo.
Além disso, os homens têm probabilidade duas vezes maior que suas parceiras de achar que precisam ser “emocionalmente fortes” e três vezes maior de sentir que precisam “assumir as rédeas de modo prático” em uma crise.
Realizada pela CALM (Campanha Contra Viver de Modo Infeliz) para a campanha Construindo Homens Modernos, do Huffington Post Reino Unido, a pesquisa faz parte de um estudo mais amplo da saúde mental e do suicídio masculino no Reino Unido.
As descobertas sobre relacionamentos vieram de estatísticas britânicas compiladas pelo CALM e o HuffPost Reino Unido, revelando que o suicídio ainda é a maior causa de morte de homens britânicos de até 45 anos.
Os dados revelam que mais de 4.500 homens se matam todos os anos no Reino Unido. Os homens têm chance três vezes maior que as mulheres de cometerem suicídio.
A pesquisa destaca a incapacidade de falar da depressão como sendo um fator que contribui para os altos índices de suicídio entre homens.
Na pesquisa realizada com mais de mil pessoas, 67% das mulheres que se identificaram como “muito deprimidas” disseram que já tinham discutido seus sentimentos com outra pessoa, contra apenas 55% dos homens.
O estresse financeiro em um relacionamento foi identificado como um dos gatilhos potenciais da depressão masculina.
Os homens têm probabilidade maior de sentirem pressão para ser o principal ganha-pão da família: é o que dizem 31% dos homens entrevistados, contra 19% das mulheres.
Além disso, um quarto dos homens disseram que se perdessem seu emprego se sentiriam menos gente. Apenas 17% das mulheres disse a mesma coisa.
O professor Damian Ridge, que leciona estudos de saúde na Universidade de Westminster e é psicoterapeuta, falou que os números comprovam que os homens podem ficar altamente estressados “com problemas como finanças e rompimentos de relacionamentos”.
“Teoricamente existe mais igualdade de gêneros, mas ainda é verdade que questões financeiras e ter um emprego são elementos importantíssimos da identidade masculina”, ele disse ao HuffPost Reino Unido.
“Sabemos que problemas financeiros e separações estão por trás de muitos suicídios. Quando o homem não está exercendo o papel masculino tradicional, isso pode realmente pesar muito sobre ele.”
Joel Beckman, gerente geral da CALM, acrescentou:
“A descoberta de que os homens ainda sentem uma necessidade muito maior de adequar-se aos estereótipos masculinos tradicionais de saber lidar com dinheiro e ser práticos em momentos de crise mostra que, apesar de a sociedade ter avançado nos últimos anos, ainda há um longo caminho a percorrer para que os homens possam sentir-se à vontade com uma divisão igualitária dessas responsabilidades.”
“No lugar de ‘emocionalmente forte’, poderíamos usar a palavra ‘silencioso’. A CALM defende que todos os homens reconheçam que ficar em silêncio não é o mesmo que ser forte.”
Keith Grinsted, 64, está casado há 20 anos. Durante esses anos, ele já foi demitido seis vezes. Ele entende muito bem as repercussões disso sobre a saúde mental.
“Apesar de minha mulher ter continuado a trabalhar todo esse tempo, eu me sentia especialmente responsável por nos colocar em situação difícil, apesar de eu não ter controle algum sobre as situações que levaram às demissões”, disse o gerente de marketing ao HuffPost Reino Unido.
Na primeira vez em que ele foi demitido, dois dias antes do Natal de 2000, Grinsted ganhava £100 mil por ano. Mas, com contas grandes a pagar, a situação financeira ficou péssima, e ele chegou a ficar sem saber como colocaria comida na mesa.
“Levei três meses para conseguir novo emprego, recebendo um terço de meu salário original”, ele contou.
“Com isso, nosso estilo de vida teve que mudar tremendamente e nunca mais voltou a chegar perto do nível anterior. Isso teve um efeito sobre minha saúde mental, na medida em que meus amigos e familiares acharam que eu os tinha decepcionado.”
Do mesmo modo, Han-Son Lee, co-fundador do blog DaddiLife, voltado a pais de primeira viagem, disse que sempre se sentiu “até certo ponto” o responsável financeiro em todos seus relacionamentos.
“Acho que a ansiedade sobre conseguir ser bom provedor só aumentou à medida que fui ficando mais velho e que meu filho chegou ao mundo.”
“Hoje tenho um forte sentimento de ser responsável por manter uma situação financeira que garanta a saúde e felicidade de meu menino.”
Essa tensão chegou ao auge no ano passado, quando a parceira de Lee estava lançando um novo negócio e ele tornou-se o único provedor do sustento do filho deles.
“À medida que nossa vida profissional nos exigia mais tempo e esforço, fomos tendo menos tempo um para o outro, e isso só intensificou minha ansiedade”, ele comentou.
“A coisa chegou a uma crise no ano passado, quando simplesmente desliguei. Eu me sentia totalmente frio, sem emoção, e possivelmente deprimido, sem saber.”
egundo o psicólogo Gurpreet Singh, da organização Relate, se o homem se sente avassalado pela responsabilidade financeira em um relacionamento, primeiro precisa tirar tempo para “compreender e processar o que está acontecendo”.
“Isso feito, é importante conversar com sua parceira sobre suas preocupações com dinheiro”, ele recomendou.
“As conversas sobre finanças podem ser difíceis e podem suscitar emoções fortes, mas é importante ser aberto e franco.”
Singh destacou que preocupações financeiras não resolvidas podem levar a discussões maiores, que provavelmente terão
impacto negativo sobre o relacionamento.
“Aprendam a discutir qualquer preocupação sobre finanças logo no início do relacionamento, por mais incômodo que possa ser. Isso pode criar um bom precedente para o futuro”, ele aconselhou.
“Falem de seus valores, seus sentimentos e seus hábitos de consumo. Certifiquem-se de que vocês dois têm uma ideia clara de como pretendem dividir os gastos, pagar as contas e administrar seu dinheiro.”
A pesquisa também destacou a disparidade entre o que os homens pensam que as mulheres querem em um relacionamento e o que as mulheres de fato desejam.
Quatro em cada dez homens entrevistados acham que não possuem as qualidades que suas parceiras procuram. Entre eles, 26% receavam não ser suficientemente atraentes fisicamente, 26% acharam que não tinham autoconfiança suficiente, 20% acharam que não garantem tranquilidade financeira às suas parceiras e 18% se preocupavam por achar que não poderiam garantir estabilidade.
Mas essas qualidades não eram coisas citadas como especialmente importantes pelas mulheres entrevistas na pesquisa.
Os dados revelaram que os homens subestimavam a importância que têm para suas parceiras as qualidades como compaixão, ética de trabalho e inteligência.
Singh observou que transmitir ao outro o que você busca em um relacionamento e dispor-se a ouvir o que seu parceiro quer “constituem as bases de bons relacionamentos”.
O professor Ridge acrescentou: “Os homens podem ter ideias sobre as qualidades que lhes faltam, sobre a razão por que são um fracasso. Mas essas ideias podem não corresponder à realidade.
“Alguns homens podem até cometer suicídio, sem antes ter falado com outras pessoas sobre seus problemas, que talvez não sejam tão graves assim.”
Singh atribuiu essa falta de comunicação à estereotipagem de gênero e às expectativas que impomos aos homens.
“Ao longo da história, os estereótipos de gênero foram normalizados a partir do nascimento, e isso ainda acontece hoje.
Basta pensar nos brinquedos de meninas e os brinquedos de meninos para entender a diferença na educação dada a meninos e meninas.”
“O homem geralmente é criado com a ideia de que ‘homens de verdade’ são fortes e não choram. Mas essa noção de ‘ser forte’ pode levá-lo a enterrar seus sentimentos e evitar compartilhar seus medos ou outras emoções em um relacionamento com uma parceira ou com qualquer outra pessoa.”
Mark Rowland, diretor da Mental Health Foundation, disse que o novo estudo reflete as pesquisas realizadas pela organização no ano passado sobre as ligações entre relacionamentos e saúde mental.
“Os relacionamentos são cruciais para a saúde física e mental. As pessoas com mais vínculos sociais com família, amigos e comunidade são mais felizes, fisicamente mais saudáveis e têm vida mais longa, com menos problemas de saúde mental que as pessoas com menos vínculos”, ele disse.
“Não se trata apenas de você estar ou não em um relacionamento estável –o que faz diferença é a qualidade de seus relacionamentos íntimos. Viver em conflito ou em um relacionamento nocivo é mais prejudicial do que estar sozinho.”
Rowland acrescentou que o novo estudo lança alguma luz sobre as razões por que os homens não costumam se abrir antes de estourar uma crise.
“Precisamos criar um ambiente em que os homens se sintam capazes de se abrir, cientes de que, longe de isso ser visto como fraqueza, é reconhecido como força”, ele explicou.
“É preciso coragem real para ser aberto e sincero quando estamos nos sentindo vulneráveis. Mas, considerando que o suicídio é a maior causa de morte dos homens jovens, cabe a todos nós lutar para mudar as coisas.”
A notícia positiva é que tanto Lee quanto Grinsted são a prova de que é possível você se sentir acabrunhado pelas expectativas em seu relacionamento, mas superar isso e sair ileso.
Lee superou seu período de estresse financeiro, focando suas energias sobre seu filhinho e sobre as alegrias gratuitas em sua vida. Já Grinsted encontrou a salvação cercando-se de pessoas positivas e lançando o Launchpad, um esquema para ajudar pessoas que estão desempregadas ou correndo o risco de demissão a recolocar sua vida nos eixos.
Mas, quer você esteja se sentindo deprimido por problemas financeiros ou por qualquer outro fator em seu relacionamento, o primeiro passo para superar um problema é falar dele.
Como observou Singh, “ser homem não quer dizer que você tenha que dar conta das coisas sozinho. Afinal, estar em um relacionamento quer dizer que o problema que afeta uma pessoa com certeza terá impacto sobre a outra.”
Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost UK e traduzido do inglês.
Caso você — ou alguém que você conheça — precise de ajuda, ligue 141, para o CVV – Centro de Valorização da Vida, ou acesse o site. O atendimento é gratuito, sigiloso e não é preciso se identificar. O movimento Conte Comigo oferece informações para lidar com a depressão. No exterior, consulte o site da Associação Internacional para Prevenção do Suicídio para acessar uma base de dados com redes de apoio disponíveis. O HuffPost Brasil possui também uma série de reportagens sobre a prevenção do suicídio e a importância de se falar a respeito.