Filme em exibição São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte.
O suicídio não é um tabu como os outros. Esconde-se, ao contrário da violência, do sexo e da religião, temas que têm pautado tantos e tão diferentes filmes nos últimos anos. Em Canção da volta, estreia desta semana nos cinemas, o diretor Gustavo Rosa de Moura (do bom documentário Cildo, sobre Cildo Meireles)
traz o assunto à luz, discutindo não apenas o ato em si, mas o seu entorno.
O suspense sobre o que teria acontecido à depressiva Julia (Marina Person, pela primeira vez interpretando uma protagonista) pauta as primeiras sequências, apresentadas pela fotógrafa Flora Dias com um visual escuro e, sob certo aspecto, sombrio. Seu marido Eduardo (João Miguel), apresentador de um programa de literatura na TV, acaba de chegar de viagem e não a encontra em casa. Inicialmente ele tenta tranquilizar os filhos (Francisco Miguez e Stella Hodge), o que, no fundo, aumenta o problema: ao assumir um comportamento dissimulado, que esconde sua inquietação, faz pesar ainda mais o fardo que carrega, o que acabará desgastando as relações na família.
Julia reaparece (em um hospital), e é a partir da sua volta que o roteiro de Rosa de Moura e Leonardo Levis se desenvolve. A rotina do casal à sombra do medo de uma possível recaída da mulher é acompanhada pelo ponto de vista de Eduardo – uma opção ao mesmo tempo interessante e arriscada na medida em que, aparentemente, a alma atormentada é a dela.
A trama aos poucos revela que ele não ficará imune a esse tormento. Em mais uma grande atuação, João Miguel dá conta de apresentar essa descida rumo ao abismo, enquanto Marina Person, um pouco em função desse distanciamento narrativo, constrói uma personagem menos intensa do que sugere a história.
A trilha sonora é linda (destaque para a canção-título na voz de Dolores Duran), e a construção visual, opressiva (graças aos enquadramentos fechados e à ótima direção de arte assinada por Joana Brasiliano e o próprio Rosa de Moura). Canção da volta se sobressai, mais do que isso, pela estrutura fragmentada, repleta de quebras e lacunas, com que a trama se desenvolve – esta se revela adequada para adentrar as mentes perturbadas da dupla de protagonistas, especialmente a suscetibilidade progressiva do homem.
Nesse sentido, as sequências oníricas, inseridas com lógica e funcionalidade, enriquecem a fruição. Dificultam um pouquinho a vida de parte do público, mas o resultado final compensa. Tivesse uma presença mais forte de sua atriz principal, Canção da volta seria ainda melhor.