Sabemos que o suicídio sempre foi um tema difícil de ser tratado, e já foi tão distante que nem o acessávamos. A não ser se alguém próximo narrasse o fato.
Estudei em uma escola particular, dita não tradicional, de classe média alta na zona Oeste de São Paulo e, quando eu tinha 14 anos, uma colega de classe se matou. Mesmo assim, os alunos demoraram a saber, pois a família protegeu muito a situação e a escola não soube lidar com propriedade.
Nunca mais esqueci. A questão é que o suicídio não é um fato apenas da modernidade, é relatado há muitos séculos. O primeiro suicídio, de Saul (1 Samuel 31,4), segundo interpretadores da Bíblia, data de bem antes do nascimento de Cristo. Para pensadores da história humana remota o suicídio é:
“… um ato de heroísmo.” (Sêneca)
“… um ato próprio da natureza humana e, em cada época, precisa ser repensado.” (Goethe)
“… a destruição arbitrária e premeditada que o homem faz da sua natureza animal.” (Kant)
“… uma violação ao dever de ser útil ao próprio homem e aos outros.” (Rosseau)
“… admitir a morte no tempo certo e com liberdade.” (Nietzsche)
“… uma fuga ou um fracasso.” (Sartre)
Hoje, milhares de anos após tais pensadores e filosofias, o mundo e a sociedade são outros, e os conhecimentos, estudos e pesquisas científicas da contemporaneidade mais assertivos e norteadores.
Dados demonstram que há um constante crescimento da taxa de suicídio entre jovens: aumentou 10% desde 2000, segundo a BBC. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os casos podem dobrar em 2020 e 90% deles podem ser evitados.
O criador do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, destaca que o suicídio também cresce no conjunto da população brasileira. A taxa aumentou 60% desde 1980. Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o problema é normalmente associado a fatores como depressão, abuso de drogas e álcool, além das chamadas questões interpessoais – violência sexual, abusos, violência doméstica e Bullying.
De acordo com a OMS, a conduta assertiva é abordar o tema sem ‘glamour’, sem divulgar métodos e sem apontar o suicídio como solução para os problemas – agindo sem preconceito e oferecendo ajuda a quem precisa. A cientista política Dayse Miranda, coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da UERJ, participou do debate. Oriento, portanto, que a especialista, e também Mariana Bteshe, ambas da UFRJ, sejam fonte de informações científicas sobre o assunto no Brasil, não abordados aqui pela premissa da brevidade deste artigo.
Entre os jovens estudantes de 15 a 19 anos, o suicídio é a segunda causa de morte. Segundo o PISA, 17,5% dos alunos com 15 anos sofrem algum tipo de Bullying. Este comportamento, pode levar ao suicídio, como é possível evidenciar no seriado 13 Reasons Why, série da Netflix, e na “brincadeira” Baleia Azul.
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O Brasil, inclusive, vem ganhando visibilidade nos relatórios internacionais sobre o tema: é o oitavo país com maior número de suicídios no mundo, segundo ranking divulgado pela OMS em 2014.
No entanto, é preciso lembrar que há uma lei (Lei nº 13.185), que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), e que obriga as escolas a adotarem medidas de prevenção e combate, a partir da capacitação de professores e equipes pedagógicas.
As escolas e as instituições educacionais, com as devidas informações e capacitações, podem criar atividades e estratégias para abordar o tema de modo cuidadoso e educativo. Nós, educadores, sabemos que não é fácil falar do assunto com jovens. E que, muitas vezes, as estratégias que funcionam com adultos não têm o mesmo resultado quando usadas com adolescentes – e, entre as peculiaridades desse grupo, está a forma como usa a internet e as redes sociais.
A rede vem sendo palco para grupos que não só romantizam o suicídio, mas exortam jovens a cometê-lo, usando a falsa ideia do desafio. A meu ver, é necessária a criação de uma política nacional de atendimento a urgências, pois, muitas vezes, os profissionais não sabem como lidar com casos de tentativas de suicídio.
A psicóloga Mariana Bteshe, professora da Uerj, afirma que os pais devem estar atentos a qualquer mudança brusca no comportamento do jovem, como, por exemplo, um adolescente expansivo que, de repente, fica introspectivo, agressivo, tem insônia, dorme demais ou passa muito tempo no quarto. Pais e escola devem ser parceiros diante à questão, trocando informações e orientações.
A internet é muito mais veloz que as ações educativas, mas estas são estruturantes e preventivas. Estar atento e se interessar pela vida, pelos acontecimentos do filho(a) ou aluno(a) é muito relevante. “Muitas vezes o jovem fica muito tempo na Internet, e os pais não sabem o que ele anda vendo ou com quem anda falando. É preciso que a família, mantendo a privacidade do jovem, busque uma forma de contato com ele e abra um espaço de diálogo”, afirma Mariana, que defendeu uma tese de doutorado sobre suicídio.
Silenciar sobre suicídio não ajuda a combater o problema. Informar, debater, ouvir e ser ouvido é o antídoto à ideia de que falar do assunto pode inspirar ondas de casos por imitação.
Por exemplo, estudar e debater o caso Werther, protagonista do livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, publicado em 1774, pode ser um começo. A obra aborda justamente o caso do rapaz que se mata após um fracasso amoroso, e cujo exemplo teria provocado outros suicídios de jovens.
Também se faz necessário mapear boas experiências acerca do tema. Este ano, a Unidade Integrativa Santa Monica e o Hospital Santa Monica iniciaram uma importante campanha de valorização a vida, contra o suicídio.
Outros locais no Brasil também procuram participar da causa tão nobre. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) criou a cartilha “Suicídio: informando para prevenir“; também desenvolvem ações positivas sobre a temática o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Núcleo de Apoio à Vida Manaus e a Associação Brasileira de Psiquiatria, no Paraná.
Adriana Fóz, educadora, psicopedagoga e coordenadora do Projeto Cuca Legal do Departamento de Psiquiatria, da UNIFESP.