A Academia Americana de Pediatria atualizou no começo do mês suas recomendações de saúde preventiva para profissionais que atendem crianças e adolescentes. Entre as medidas sugeridas, uma tem especial potencial para causar polêmica. A entidade recomenda que crianças a partir dos 11 anos passem por uma avaliação anual para detectar depressão. A medida vale para jovens até os 21 anos. A avaliação não deve tomar muito tempo: são questionários que o médico deve aplicar no paciente. Mas a recomendação é controversa. Há o risco de diagnosticar – e medicar – em excesso as crianças?
O rastreamento parece importante quando se coloca em perspectiva o número de suicídios, um dos riscos da depressão, entre os 15 anos e 29 anos. Dentro dessa faixa etária, é a segunda causa de morte, segundo a Organização Mundial da Saúde. “O pico de suicídio aparece nessa faixa porque é quando o cérebro amadurece e os sintomas depressivos se tornam mais claros”, afirma o psiquiatra Ricardo Alberto Moreno, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A prevenção da depressão desde a infância é importante para evitar uma escalada do quadro às portas da vida adulta, fase de cobranças sociais e internas. Algumas crianças apresentam, naturalmente, mais chances de desenvolver o transtorno, como aquelas cujo pai ou mãe já tiveram a doença. Há ainda aquelas que sofreram negligência afetiva ou de cuidados ou que enfrentaram abusos. Elas também estão sob risco maior.
“Existe a chance de haver um excesso de diagnósticos”, afirma o psiquiatra Fernando Ramos Asbahr, coordenador do Programa de Transtornos Ansiosos na Infância e Adolescência da USP. “Características chatinhas da adolescência, como jovens calados, ensimesmados em seu próprio mundo, podem ser confundidas com depressão.” Como consequência, crianças e adolescentes que não precisam poderão ser medicados com antidepressivos e outras drogas costumeiramente usadas para tratar transtornos psiquiátricos. Há alguns anos, especialistas e órgãos de vigilância sanitária detectam um fenômeno semelhante em relação ao diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e à prescrição do medicamento metilfenidato, mais conhecido sob um de seus nomes comerciais: Ritalina. Um levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, realizado entre 2009 e 2011, mostrou que o consumo entre crianças de 6 anos e 16 anos aumentou 75%.
Há o outro lado. A depressão pode passar despercebida durante a adolescênia se profissionais confundirem os sinais do transtorno justamente com a introspecção natural da fase. Podem ignorá-los ao achar que são passageiros e típicos desse período da vida. A recomendação específica de procurar por sinais depressivos pode ajudar nesses casos. “Talvez, seja melhor pecar pelo excesso de zelo”, afirma Asbahr, da USP. Para pais preocupados, o alento vem do bom senso: manter os olhos – e o coração – atentos a qualquer mudança brusca de comportamento e consultar, se acharem necessário, mais de um especialista.