A enfermeira obstetra Tainã de Oliveira Silva, 26 anos, viu sua vida ser tomada pela tristeza profunda há cinco anos. Acometida por um quadro de depressão, ela tomou uma alta dose de tranquilizantes, desmaiou e foi internada em um hospital de Salvador. “Eu não quis tirar minha vida, mas me livrar da dor do que estava sentindo”, relata a jovem, que foi diagnosticada com depressão moderada.
O problema vivido por Tainã representa a realidade de um cenário acompanhado por meio de dados pelo Centro Antiveneno da Bahia (Ciave), da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab). Nos primeiros seis meses do ano de 2016, o órgão registrou 14 casos de suicídios por uso de intoxicantes, como medicamentos e raticidas clandestinos. Os dados foram divulgados ao G1, que publica a reportagem sobre o assunto neste sábado (10), Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, parte da campanha Setembro Amarelo.
O Ciave recebe as informações de hospitais em toda a Bahia e do Hospital Roberto Santos, em Salvador. Não foram detalhadas as cidades que correspondem às mortes registradas. Além dos óbitos, também foram computadas 503 tentativas de suicídio no período.
As intoxicações intencionais correspondem a 12,4% do total de 4.041 casos de intoxicação gerais atendidos no centro, que também atende casos acidentais. Os principais agentes de intoxicação são os medicamentos e os raticidas clandestinos, com destaque para o conhecido como “chumbinho”.
O Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio, que funciona em anexo do Hospital Roberto Santos, oferece entre 400 e 500 atendimentos por mês para pacientes que já tentaram suicídio ou tenham risco de fazê-lo. Uma equipe de duas psicólogas, três psiquiatras, duas terapeutas ocupacionais, uma enfermeira e quatro estagiários de psicologia fornecem o serviço. Os pacientes participam de atividades terapêuticas, com oficina de produção de jornal e exibição de filmes.
No caso da enfermeira Tainã, foi também a ajuda especializada que representou o resgate possível de livrá-la da ideia de pôr fim à própria vida.
Ao ser diagnosticada com depressão, ela foi acompanhada por um psiquiatra e passou a tomar medicamentos antidepressivos durante três meses. Também voltou a frequentar o centro espírita, buscando apoio de uma psicóloga comportamental e espiritual.
“Vivia no escuro, não me sentia feliz no dia-a-dia. Saía para os lugares e ficava recuada. É uma angústia muito forte, uma dor na alma. Você pede socorro sem saber o que está sentindo”, conta. O fim de um relacionamento amoroso é apontado como o “gatilho” para piorar a situação.
Para diminuir a sensação de dor que sentia, Tainã ingeriu os comprimidos e “apagou”. No hospital, ao recobrar a consciência e ver os familiares, ficou constrangida de estar naquele estado. “Me senti com vergonha de ter que encarar o mundo. Eu não quis morrer, mas sim chamar atenção dos meus pais e das pessoas em geral. Eu queria a cura”, relembra a jovem.
“Eu busquei na minha fé o preenchimento do vazio. Senti medo de passar por isso de novo”, comenta.
Após o estado depressivo, a enfermeira voltou a enxergar o sentido da vida. “Eu tive muito apoio da minha família e amigos, e muito amor. É importante que as famílias das pessoas que passem por isso tentem escutar. As sensações ficam reprimidas. É uma situação muito angustiante. A pessoa se sente pior por estar sentindo aquilo”, define.
A coordenadora do Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio, do Centro Antiveneno da Bahia, a psicóloga Soraya Carvalho ressalta que um dos pontos mais importantes do trabalho que desempenha é estimular o apoio da família ao tratamento do paciente. “A pessoa precisa ser acolhida e respeitada. Tudo que não precisa é ser julgada. A pessoa está precisando de carinho e atenção. A família se informando sobre isso está mais apta para lidar”, indica.
Os familiares devem ficar atentos a sinais de que a pessoa tem pensamentos suicidas, que podem estar disfarçados. “Prestar atenção se a pessoa tem mudado de comportamento, se está triste e desmotivado, isolada, reduz o contato social e está sem ânimo”, alerta a psicóloga.
Soraya diz que a família tem que estar aberta para escutar o paciente, sem julgamentos. “Tem que perguntar se sabe escutar. É preciso suportar a resposta e perguntar o que pode fazer para ajudar. Se não tiver muito que fazer, leve para psiquiátrica e psicólogo”, resume.
Ela diz que a prevenção ao suicídio também passa pelo controle de meios que podem causar a morte intencional, como de armas de fogo, venenos, produtos tóxicos e acesso a estruturas que impliquem risco à população, como prédios e pontes.
Recuperada, Tainã casou e hoje celebra a vitória de conseguir viver tranquilamente. Ela não toma mais medicamentos antidepressivos e mantém um amor incondicional aos cachorrinhos de estimação, que também a ajudaram a recuperar a vontade de viver.
“A pessoa que tem depressão muitas vezes perde um pouco da vontade de viver e buscar certas coisas, de caminhar e dar sentido. Depois que vai passando, há uma renovação e uma vontade de viver maravilhosa, de justamente fazer tudo ao contrário: de fazer muita coisa, de viver com mais intensidade, de buscar potenciais, tanto no profissional quando na vida sentimental”, ensina.
Apoio
Quem precisa de apoio pode procurar o Centro de Valorização da Vida (CVV), em Salvador, por meio de telefone, site, e-mail e Skype. Voluntários atendem os números 141 e (71) 3322-4111.
”Nessa cidade em que todo mundo é feliz, da festa, tem uma cidade triste e solitária esperando ser ouvida”, diz a vice-coordenadora da instituição, Josiana Rocha. Ela diz que a função do serviço não é de substituir terapia. “O voluntário é um amigo provisório, alguém que pode conversar. O contato é sigiloso e anônimo. A pessoa não precisa se identificar para a pessoa dizer ser o que sente”, explica.
Por mês, são atendidas de 1.500 a 2.000 pessoas no CVV. O serviço fica disponível 24h, todos os dias da semana. Vinte e oito voluntários se revezam para conseguir realizar os atendimentos. “Somos pessoas comuns e para ser voluntário basta ter tempo e vontade de servir”, diz Josiana.
Os voluntários passam por treinamento para aprender a lidar com as pessoas que procuram o serviço. As inscrições para quem quer se voluntariar estão abertas e podem ser feitas por telefone ou pelo site do centro.