Aprendi que todo mundo tem problemas, que é preciso seguir em frente”. A frase é do estudante do curso técnico de cozinha de São Carlos (SP) Matheus Braga que, sem saber de que maneira resolver os problemas, enxergava apenas uma solução para tudo: a morte.
No mês de conscientização sobre a prevenção do suicídio, conhecido também como “Setembro Amarelo”, o G1 conversou com o jovem de 23 anos que teve depressão e tentou tirar a própria vida por duas vezes e sobreviveu.
Durante uma semana, o G1 registrou todos os casos de mortes violentas no país. Do total de 1.195 mortes, 89 foram suicídios.
Na região de cobertura da EPTV Central (afiliada Globo), que abrange 42 cidades, foram registradas 6 mortes, sendo que em três casos as vítimas tiraram a própria vida.
Quando vi que não deu certo, senti uma vergonha muito grande, não por não ter conseguido, mas sim pelas pessoas que estavam ao meu redor verem o quanto eu era fraco de não conseguir resolver meus problemas, de não conseguir bater de frente com a vida”, declarou o estudante.
De acordo com o médico psiquiatra Luis Alberto Marques Craveiro, a pessoa que pensa em cometer suicídio deve procurar assistência médica e psicológica para tratamento adequado. O Centro de Valorização à Vida também oferece orientação para prevenir casos. (Veja no final da reportagem as orientações).
‘Buraco sem volta’
Diagnosticado com depressão e assumindo a orientação sexual, o jovem relatou que não conseguia bater de frente com os problemas. “Não conseguia enfrentar a situação e, para mim, aquilo era a solução. Assumir a homossexualidade era uma pressão muito grande. Me via em um buraco e desespero tão grande que minha vontade de não resolver os problemas e de não viver mais era muito maior do que enfrentar”, contou.
Atualmente ele classifica os episódios como ‘buraco sem volta’. “Me arrependo muito, até hoje. Só que ter passado por isso foi um grande aprendizado, consegui ver que estava enfiando minha vida em buraco e que eu tinha outras formas de tentar resolver meus problemas, que não fosse desta forma”, declarou.
Tratamento
Após as duas tentativas de suicídio, o futuro cozinheiro permaneceu internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Santa Casa de São Carlos e dentro do próprio hospital já iniciou o tratamento psiquiátrico e psicológico. “A forma como eles [profissionais] lidaram com a situação foi muito legal e espontânea. Isso resultou no que eu consigo ser hoje”, disse.
Braga fez acompanhamento com psicólogo durante 3 anos e passava por consultas uma vez por semana. O tratamento psiquiátrico foi feito ao mesmo tempo e contou com o uso de antidepressivos. Hoje, ele continua com acompanhamento de uma psiquiatra uma vez por mês, mas usa apenas um fitoterápico calmante.
Religião
Católico, Braga participava ativamente da igreja quando chegou ao limite da depressão. Hoje, o jovem afirma estar “menos ligado” por conta dos julgamentos que enfrentou. “Os cristãos acreditam que a questão do suicídio é pecado e que vai contra os ensinamentos de Deus, eu não discordo. Só que eu acho que é um pecado muito maior você apontar o dedo e julgar”, relatou.
“A pessoa que julga não faz a mínima ideia e não tem noção do que acontece com a pessoa que chega a esse extremo, não sabe o que a pessoa está passando e que ela não tem estrutura física e emocional para lidar com as situações. Ao invés de julgar, tem que tentar entender e auxiliar”, desabafou.
Superação
Segundo Braga, os primeiros dias após os incidentes foram piores que antes. O sentimento de culpa pesava e naquele momento percebeu o quão impactante tinha sido sua atitude. Com isso, ele tomou uma decisão para mudar essa realidade.
“A mãe de uma amiga vive falando que ‘mente vazia é a morada do demônio’, e realmente é. Os pensamentos negativos vão consumindo seu dia a dia. Depois daquilo, eu falei ‘agora é a hora’, vou voltar a estudar para ser cozinheiro e entrar no mercado de trabalho. Aprendi a seguir em frente”, contou.
Além disso, Braga revelou sua paixão por esportes radicais e disse que sempre que tem possibilidade procura praticar a modalidade. “Realizei um dos meus sonhos que era saltar de paraquedas”, declarou.
O rapaz acredita que aprendeu a viver com os pés no chão e que sabe dosar como as situações irão influenciar sua vida. Feliz, o futuro cozinheiro acrescenta que compreendeu uma dica valiosa.
“Todo mundo tem problemas, ninguém vive um conto de fadas, uma vida maravilhosa. O que muda é a forma como você lida no dia a dia com as situações, que às vezes podem ser maravilhosas e às vezes problemáticas”, afirmou.
Prevenção ao suicídio
O Brasil ocupa o sexto lugar no ranking de números absolutos de suicídio. No país, o índice de suicídio perde apenas para homicídios e acidentes de trânsito.
De acordo com o médico psiquiatra Luis Alberto Marques Craveiro, a pessoa que pensa em cometer suicídio deve procurar assistência médica e psicológica para tratamento adequado. “Deverá contar com suporte familiar e de amigos que, sem preconceito, ajudem neste momento difícil de esperança, desespero e desamparo”, declarou.
Craveiro ainda disse que quando a família e amigos observarem comportamentos suicidas em alguma pessoa devem compreender por tratar-se de uma emergência médica.
“A conduta deverá ser levá-lo a imediata avaliação médica de risco para suicídio, que será orientada pelo grau de risco e a doença psiquiátrica adequadamente tratada, podendo, em casos graves, ser necessária internação psiquiátrica com finalidade de proteção da vida”, esclareceu o psiquiatra.
CVV
Em março deste ano, o Ministério da Saúde anunciou uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV), órgão que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntariamente as pessoas que querem e precisam conversar.
O objetivo da parceria é que as pessoas que sintam necessidade consigam chegar de forma menos burocrática a quem oferece ajuda. O centro oferece atendimento por telefone (141), chat, skype e e-mail. Outras informações podem ser obtidas no site do CVV.
*Sob supervisão de Fernando Bertolini, do G1 São Carlos e Araraquara.