Nestes últimos dias houve um certo burburinho a respeito de um filme que foi lançado e que falava sobre suicídio e como a temática me interessou, assisti. (Bird Box – Um filme Netflix – Direção: Susanne Bier)
Trata -se de um filme de ficção pós apocalíptico, onde algo que não fica claro o que é, ao ser visto pelas pessoas faz com que elas cometam suicídio e o filme gira em torno dos protagonistas fugirem deste ser, e a forma encontrada era vendar os olhos para não poder olhar para a coisa, para o monstro, seja lá qual for o nome dado.
Algumas pessoas que assistiram começaram a falar de suas interpretações sobre o filme, sobre o significado que cada coisa tinha. Se fosse há uns dois anos atrás eu assistiria é só veria um filme de suspense, nada mais, mas como hoje meu ponto de vista mudou também dei minha opinião sobre o que entendi deste filme e ao ler as interpretações escritas por psicólogos, psicanalistas, filósofos, críticos de cinema e de pessoas que apenas gostam de filmes e cada um com sua conclusão, algumas semelhantes mas outras absurdamente diferentes sendo que era o mesmo filme, fiquei muito pensativa.
Como o filme foi baseado em um livro homônimo, procurei saber se havia algo que o autor teria escrito explicando sua obra e para a minha surpresa, ele apenas diz que é uma obra de ficção, não tem o que ser interpretado. Ou seja o que eu e outras pessoas viram no filme são apenas especulações.
E justamente nesta minha fase da vida, penso que as vezes tentamos interpretar a vida e a morte por suicídio de quem amamos como se fosse um filme. Levando em conta o ponto de vista de cada um. Não somos protagonistas, somos apenas os espectadores que tenta desvendar o significado de cada passo, de cada fase.
Psicólogos, psiquiatras e psicanalistas usam seus conhecimentos baseados em anos de estudo para analisar e compreender a vida de quem sofre, chegar a um consenso junto ao paciente e tentar com isso amenizar a dor e buscar a cura, mas não existe um raio x, uma ressonância, uma visão além do alcance ou um leitor de mentes.
O ser humano é um ser complexo, a mente humana por vezes é indecifrável e possibilita várias interpretações a partir de um ponto de vista e cada um tem o seu.
Por isso o tema suicídio é algo tão impreciso, se fosse fácil não haveriam tantas mortes e muitas das pessoas que cometeram suicídio estavam em tratamento e outras que não estavam, conforme interpretações de suas vidas narradas por quem ficou, nem sabiam mas que poderiam possuir algum transtorno mental, incluindo aí a mais comum e a mais negligenciada, a depressão.
Quando a terapeuta de minha filha soube o que ela havia feito, ela me disse que a Marina apesar de falar abertamente em querer morrer, naqueles dias não apresentava perigo e isso ficou claro para mim pelo seu comportamento, e esse tipo de comentário eu também ouvi de vários outros enlutados que mencionaram que os terapeutas de seus entes também diziam que estava tudo sobre controle, apenas uma minoria dos que estavam em tratamento os seus psicólogos ou psiquiatras, relataram às famílias que os seus entes queridos eram uma bomba prestes a explodir.
E eu levei meses para entender que não podia colocar nas costas da psicóloga que conhecia a Marina havia pouco tempo, uma responsabilidade tão imensa, achando que ela poderia ter previsto e com isso evitado.
Enfim, eu cheguei conclusão de que na vida quem está de fora apenas interpreta o outro baseado em estudos no caso dos profissionais ou em achismos no caso de leigos, mas que a leitura e a interpretação nunca será precisa pois somente eu sei o que sinto, o que as pessoas veem e pensam são interpretações delas e mesmo quando falo o que sinto, demonstro, escrevo, só eu sei a intensidade de tudo e somente eu sou responsável pelos meus atos, e creio que assim foi com minha filha.
Tanto que para mim, a princípio a Marina não quis mais viver por uma série de motivos, mas a gota que encheu o copo foi a dureza de ter escutado do psiquiatra que ela tinha traços de um transtorno de personalidade, o Borderline, já o Joseval pensa de outra forma, ele concorda comigo em alguns pontos e discorda em outros e nós dois como pais que cuidávamos dela, vivíamos com ela na mesma casa, acabamos tendo visões diferentes da mesma pessoa.
E no final de nossas longas análises compreendemos que somente ou nem mesmo ela sabia o que a levou a tomar a atitude mais extrema que uma pessoa pode tomar, o resto é pura especulação e interpretações.
Para mim foi de extrema importância tentar buscar o motivo e entender que suicídio é um processo e que sendo um processo refazer os últimos passos, lembrar das últimas conversas e que ao tentar montar o quebra cabeça percebi que algumas peças não se encaixavam ou se perderam e isso causou uma grande angustia na elaboração do luto pois acabei dando voltas em círculos sem sair do lugar esquecendo que o mais importante é deixar que as boas lembranças se sobressaiam sobre a forma como se deu a morte, que a forma como ela se foi não deverá jamais apagar o que ela foi em vida.
Hoje penso que talvez se conseguíssemos mudar a forma como se fala de suicídio venha ajudar mais na prevenção, pois quando as pessoas chegam aos grupos de apoio após perder um ente querido em busca de ajuda, o que mais atormenta é a famosa taxa dos 90% e os tais sinais que reforçam o sentimento de culpa.
Falar de forma clara desmistificando e educando as pessoas que interpretam erroneamente o suicídio e julgam quem tem depressão ou qualquer tipo de transtorno mental, passando aí por religiões que fortalecem a crença de que é algo espiritual ou que basta querer que o problema sumirá, a tal força de vontade ou a fé, acaba impedindo quem precisa de ajuda a ir buscá-la, por vergonha e por medo dos julgamentos.
Creio que bater sem parar na tecla que depressão, ansiedade são doenças e que precisam de tratamento assim como qualquer outra, alguns casos podem ser tratado apenas com psicólogos e outras com psiquiatras e medicamentos e que não há vergonha ou desonra alguma em procurar ajuda.
E que interpretar a vida não é como interpretar um filme e que não dá para voltar ao começo e ver e rever quantas vezes quiser e que suicídio é fato e uma vez consumado só resta cuidar de quem ficou e sem vendar os olhos pois para a morte não há remédio e dói demais viver sem quem amamos.
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