O estresse e o contato diário com a violência fizeram com que 228 policiais se suicidassem no Estado de São Paulo entre 2006 e 2016. Considerando o período e o número de casos, é como se um agente tirasse a própria vida a cada 17 dias. Do total de mortes, 182 foram de policiais militares (79,8%) e 46 de policiais civis (20,2%). Os dados são exclusivos do MetrôNews.
Além dos suicídios, 15.787 PMs foram afastados da corporação, durante o período, para se submeter a tratamento psiquiátrico. Isso corresponde a quatro desligamentos diários entre 2006 e 2016. A reportagem não obteve a quantidade de afastamentos da Civil, nem informações sobre tratamentos oferecidos nesta corporação.
O número de PMs que se mataram “não é normal”, como apontou Aurélio Melo, professor do curso de Psicologia e especialista em suicídio da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Os índices são muito altos. É necessário investigar o que a corporação oferece como tratamento e remediação aos policiais. Falando de modo geral, é preciso entender como os PMs são pressionados, sobre as exigências feitas e também as negligências que sofrem”, disse.
Dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, sobre mortes de policiais em confronto, só reforçam o quão grave é a questão do suicídio entre os “profissionais de farda”. No mesmo período (2006-2016), 205 PMs morreram em serviço, quase a mesma quantidade daqueles que tiraram a própria vida. Assim, o suicídio é responsável por quase metade (exatamente 47%) das mortes não naturais entre os PMs. O ato de matar a si mesmo também é frequente entre os policiais civis. Foram 42 suicídios contra 66 mortes no cumprimento do dever.
A quantidade de PMs mortos em ação é maior, pois estão mais expostos a riscos, pelo fato de trabalharem intensamente nas ruas, tendo maior contato com marginais. Já agentes da Civil estão menos sujeitos a confrontos com criminosos – pois atuam na investigação de delitos.
Pressão de todos os lados
Segundo um sargento aposentado da PM, que terá o nome mantido em sigilo a seu pedido, o policial recebe pressão de todos os lados.
A violência testemunhada no cotidiano da profissão, aliada às cobranças do comando da corporação, são fatores apontados pelo sargento como desgastantes. “Não dá para o PM estar em todos os lugares ao mesmo tempo e coibir de forma incisiva a criminalidade. Isso é cobrado pelos comandantes e estressa muito”, revelou.
O ex-sargento acrescentou que a má remuneração, aliada ao desgaste de “fazer bicos” para completar a renda mensal, contribuem para que alguns policiais desenvolvam problemas emocionais.
A PM foi questionada sobre programas de tratamento psiquiátricos e de prevenção oferecidos pela corporação, mas não houve manifestação até a conclusão desta reportagem.
Cultura prejudicial e “mistura” perigosa
O psiquiatra e coordenador do Serviço de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), Teng Chei Tung, afirmou que o nível “altíssimo” de estresse vivido por policiais e o fato de andarem armados são uma combinação perigosa. “A profissão implica em ter porte de arma, que é o elemento mais letal e mais fácil para se consumar um suicídio”, explicou.
Disse ainda que os valores da corporação, como se submeter a uma hierarquia e não demonstrar fraqueza, podem levar ao desenvolvimento de um quadro depressivo. “O abuso de álcool e drogas também pode contribuir para a consumação de um suicídio. A PM precisa oferecer um tratamento psicológico [aos policiais], além de trabalhar as questões sobre a cultura institucional”, recomendou o psiquiatra.