“A gente só trata a ferida quando toca nela”, é o que diz Fernanda*, 26 anos, estudante de odontologia. A universitária tinha 16 anos quando tentou suicídio pela primeira vez. Hoje, Fernanda fala abertamente sobre o episódio por acreditar no debate como forma de prevenção sobre o mal que tira uma vida a cada 40 segundos em todo o mundo. “Não é um assunto confortável, principalmente para quem já passou por isso, mas os mitos sobre depressão e suicídio impedem as pessoas de conseguir ajuda”, diz. É com o objetivo de aumentar essa conscientização e despertar o senso de alerta sobre uma das principais causas de morte em todo o planeta que a campanha Setembro Amarelo ocorre, desde 2014, em todo o mundo.
Apesar de apresentar estatísticas alarmantes, a OMS aponta que o suicídio poderia ser evitado em mais de 90% dos casos, o que reforça a necessidade de se falar sobre o tema. De acordo com o médico psiquiatra e psicoterapeuta João Carlos Leitão, a falta de informação sobre o assunto contribui, principalmente, para perpetuar o mito da “imunidade”, além dos preconceitos, que dificultam ainda mais o combate ao suicídio. “É o sentimento de que ‘isso nunca vai acontecer comigo’. O pensamento suicida tende a ser visto como coisa de ‘gente fraca’ e não como o sintoma de uma doença que tem tratamento. Esse mito faz com que a pessoa demore mais a procurar ajuda”, explica.
Quando relembra a fase que descreve como “a mais complicada” da sua vida, Fernanda, diagnosticada com depressão, conta que uma de suas maiores dificuldades em conseguir ajuda foi o medo de ser julgada por isso. “Quando se está saudável é fácil pensar na gente acima das opiniões alheias, mas quando não conseguimos sair da cama e reagir, tudo fica mais difícil”, desabafa. A estudante diz que, após tentar tirar a própria vida, iniciou um tratamento – que abandonou depois de dois meses – para retomá-lo apenas quatro anos mais tarde. “Eu tinha muita vergonha que o pessoal do colégio ficasse sabendo que eu ia ao psicólogo e ao psiquiatra. Ninguém enxerga como um médico qualquer, e meu medo era que as pessoas tivessem pena ou medo de mim”, comenta Rafaela, que na época chegou a inventar um “namorado fictício” para justificar as tardes que passava na terapia.
Reconhecendo os sinais
Entre os sintomas da depressão, segundo explica João Carlos Leitão, estão irritabilidade, perda ou excesso de sono, choro excessivo, além de outros sintomas menos atribuídos à doença, como apatia e perda ou ganho de peso num período curto. O diagnóstico e tratamento, é importante ressaltar, devem ser prescritos por um profissional, mas ao perceber sinais persistentes da doença é importante buscar orientação. “É preciso perder o medo de olhar para dentro e ser sincero consigo mesmo. Quando se observa um isolamento social crescente, uma perda do interesse por atividades antes prazerosas, a mudança do humor para algo apático ou melancólico, há o risco de se estar diante de uma síndrome depressiva”, alerta João Carlos. O profissional também alerta para o fato de que a depressão não é a única doença capaz de levar ao suicídio. “Basicamente todos os transtornos mentais, quando intensos, podem levar ao pensamento suicida, e este pode levar ao suicídio”.
A psicóloga Ana Paula Ferreira também comenta que “depressão é diferente de tristeza”. As possíveis causas da doença envolvem variantes complexas, que vão desde predisposição genética até fatores externos, o que reforça a ideia de que todos devem estar atentos. Também é importante que se saiba que, diferente do que acredita o senso comum, nem sempre a síndrome depressiva surge a partir de um episódio trágico na vida do indivíduo, embora situações traumáticas possam servir de gatilho para a doença. “A depressão pode ocorrer em qualquer momento da vida do indivíduo. Da infância à velhice”, diz Ana Paula.
Para quem apresenta comportamento depressivo, buscar tratamento por conta própria pode ser uma dificuldade maior do que se imagina. Nesses casos, as pessoas mais próximas devem observar possíveis sintomas. A orientação do psicoterapeuta é de que quem se dispuser a ajudar deve estar aberto à conversa sem julgamentos e “de maneira cuidadosa, para que a pessoa conte pelo que está passando”, mas lembra que “não se deve gerar expectativas intensas em ajudar, pois isso pode impedir que se consiga um apoio efetivo”, diz. O tratamento para a doença, porém, exige cuidado e responsabilidade profissional, e deve ser feito “através do acompanhamento multiprofissional. Como corpo, através do cuidado médico, psiquiátrico, nutrição, atividades físicas, como mente, através das psicoterapias e artes e com seus aspectos sociais”, explica o médico.
Sofrimento na adolescência
A crescente incidência da depressão na adolescência também preocupa os profissionais de saúde. Quem convive ou conviveu com a doença nessa fase da vida afirma que um dos maiores agravantes é a tendência de confundir sintomas depressivos com as alterações de humor naturais da adolescência. “Eu perdi sete quilos em menos de um ano. Não sentia prazer em fazer as coisas que eu costumava gostar e fui me tornando cada dia mais apática, a maioria das pessoas me olhavam como se eu fosse só uma adolescente entediada”, recorda Fernanda.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que, entre jovens de 15 a 29 anos, o suicídio é segunda maior causa de óbitos, perdendo apenas para os acidentes de trânsito. A pesquisa também aponta que 75% dos suicídios ocorrem em países de média e baixa renda, sugerindo que as diferenças socioeconômicas têm impacto mais forte entre adolescentes. Já no Brasil, a taxa de suicídio cresceu, na última década, mais de 40% entre pessoas nessa faixa etária. Em busca das possíveis causas, estudos revelam que, pelo menos 90% dos adolescentes que se matam, têm algum tipo de transtorno psicológico, sendo a depressão a principal causa de suicídios neste grupo.
Angústias da discriminação
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos e publicada este ano pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC – sigla em inglês) apontou ainda que adolescentes LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros) representam um grupo de risco ainda mais preocupante quando comparados a jovens heterossexuais. Segundo a pesquisa, que entrevistou 32 mil jovens com idades entre 13 e 17 anos, cerca de 25% dos jovens homossexuais já tentaram tirar a própria vida, índice quatro vezes maior do que as dos heterossexuais.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Alagoas, em 2013, buscou analisar as causas desse fenômeno e o resultado não foi surpreendente: a maioria dos jovens LGBT relatam que a falta de apoio e discriminação são o principal motivo de suas angústias. A Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, também elaborou uma pesquisa sobre a relação entre a orientação e o suicídio entre jovens e constatou que lugares mais compreensivos e abertos com relação à homossexualidade manifestam menos casos de tentativas de suicídio.
Ajuda psicológica gratuita no Recife
Para quem precisa de ajuda profissional, há, no Recife, pontos de atendimento psicológico oferecido gratuitamente. O serviço é feito por estudantes que estão no final do curso de psicologia, em diferentes faculdades, e é assistido por professores orientadores.
A Clínica de Psicologia da Faculdade Estácio do Recife oferece atendimento ao público. Não é necessário agendar as consultas, que acontecem durante todo o ano letivo. O horário de funcionamento é das 13h às 21h, de segunda a quarta-feira. Na quinta, a clínica atende das 10h às 21h e na sexta das 9h às 18h. A faculdade fica localizada na Avenida Engenheiro Abdias de Carvalho, no bairro da Madalena, na Zona Oeste do Recife. Mais informações no telefone (81) 3226-6999.
Na Clínica psicológica da faculdade Esuda, o tratamento é feito por uma equipe formada por profissionais e estagiários que prestam atendimento a crianças, adultos e adolescentes. A Clínica oferece avaliação neuropsicológica, orientação vocacional e serviços de psiquiatria e funciona das 8h às 20h. A instituição fica na rua Bispo Cardoso Ayres, S/N, Santo Amaro. Informações pelo telefone (81) 3412-4267.
Na Zona Oeste, a Universidade Federal de Pernambuco também oferece assistência à comunidade. A Clínica psicológica da UFPE funciona das 8h às 12h e das 14h às 18h, de segunda a sexta-feira, e está localizada no 7º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE, no Campus Universitário. Agendamentos pelo telefone: (81) 2126-8731, com fila de espera.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) também funciona em todo o Brasil e trabalha há 53 anos na prevenção ao suicídio. A entidade atende 24 horas por dia no telefone 141, por e-mail ou bate-papo na internet, no endereço www.cvv.org.br.