Como as pessoas que tentam suicídio são acolhidas nos hospitais?
A primeira vez que parei para pensar sobre o estigma que existe em torno do suicídio foi em uma palestra que assisti durante a graduação em Psicologia. Um aluno do curso de Enfermagem apresentou um trabalho que falava sobre as reações da equipe médica e de enfermagem diante dos casos de tentativa de morte autoprovocada. Como as pessoas que tentam suicídio são acolhidas nos hospitais? De acordo com o palestrante, os relatos de maus tratos, “brincadeiras” de mau gosto e procedimentos agressivos eram comuns.
O artigo “Tentativas de suicídio e o acolhimento nos serviços de urgência: a percepção de quem tenta“, publicado em 2013, traz uma importante contribuição para esta discussão. Os autores entrevistaram 28 mulheres com histórico de tentativa de suicídio que haviam sido referenciadas por um serviço de urgência de Barbacena, em Minas Gerais.
Algumas das falas das entrevistadas:
“No hospital eu lembro que o médico chegou perto de mim, bateu no meu ombro, falou que eu não tinha nada, que eu era uma moça bonita, pra viver minha vida, que era pra arrumar um namorado”.
“A reação das pessoas, dos médicos, quando eu tomava remédio e ia pro hospital, sempre que eu chegava, as enfermeiras e o médico falavam ‘tem juízo não? vaso ruim não quebra, entra na frente de um trem […] remédio não mata não, remédio melhora”.
“As enfermeiras falavam ´toma chumbinho, água de bateria, não adianta vir pra cá, tomar remédio, só dá trabalho pra gente´. Eu me sentia um rato quando tentava, quando elas me falavam ficava pior ainda. Por que elas não falaram que eu precisava era de um psiquiatra? Elas falavam “vai pra casa e dorme bastante, isso não é nada, isso vai passar”.
O trabalho está disponível em:
Estas falas não são novidade para quem trabalha na área de prevenção e posvenção do suicídio.
Destaco que não se pode generalizar os resultados discutidos, pois muitos hospitais e serviços de saúde têm procurado sensibilizar os profissionais para um acolhimento mais humanizado das pessoas que chegaram a um grau de sofrimento tão intenso que pensaram em desistir de viver. Muitos profissionais também buscam qualificação por meio de recursos próprios ou mostram-se empaticamente abertos para acolher sem julgamento um sofrimento que não aparece por meio de nenhuma tecnologia de última geração, mas que muitas vezes é letal.
Há também uma falha na maioria dos cursos oferecidos na área da saúde: o comportamento suicida não é discutido e com isso, o senso comum muitas vezes passa a ser a única referência para compreender o fenômeno. Aí, a tentativa de suicídio é facilmente classificada como “falta de Deus no coração”, “frescura”, “para chamar atenção” e outros clichês.
Os maus tratos nos hospitais não afetam apenas quem tenta suicídio e se vê desamparado no momento em que está ainda mais fragilizado, mas também seus familiares e amigos.
Terezinha Máximo, mãe sobrevivente enlutada de Marina, escreveu em um dos textos que compartilhou no blog No m’oblidis:
“O que se espera ao dar entrada em um pronto socorro com sua filha desacordada após ter tomando uma grande quantidade de medicamentos?
Eu esperava que ao menos no local as equipes médica e de enfermagem fossem capacitadas e pudessem dar a ela um tratamento digno dispensado a qualquer ser humano. Mas infelizmente isso não aconteceu.
O não julgar e o fazer o possível para salvar vidas, teoricamente é lindo, mas na prática não é bem assim. Principalmente quando o paciente atenta contra a própria vida, para algumas pessoas da área da saúde, ele não merece muitos cuidados, afinal eles querem cuidar de quem quer viver, um suicida só dá trabalho, não merece tanta atenção e para o plano de saúde só gera custos, mas se esquecem que essas pessoas estão enfermas, depressão é um problema de saúde mas para muitos, infelizmente, não é, pois o paciente não apresenta uma ferida aberta, dor na alma não sai em nenhum exame”.
O texto completo está aqui: https://nomoblidis.com.br/maus-tratos-nos-ps-e-utis/
Texto de Luciana França Cescon, psicóloga e colaboradora do Instituto Vita Alere