Ainda sem entender os motivos da morte da filha e Miss Brasil 2004, Fabiane Niclotti, 31 anos, a mãe dela, Walmi Niclotti, 63, decidiu falar pela primeira vez sobre o caso. Fabiane foi encontrada sem vida dentro da casa onde morava sozinha, na noite de 28 de junho, em Gramado.
Há duas semanas, Walmi e o pai de Fabiane, Ivo Niclotti, 68, receberam a reportagem e falaram sobre a personalidade da filha, a ascensão na carreira, os sonhos profissionais para os próximos anos e a pressão que a modelo sofria. Eles confirmaram que a miss tinha depressão, doença difícil de ser diagnosticada. Contudo, disseram que ela aparentava estar bem e motivada para novos planos. As causas da morte ainda são investigadas pela Polícia Civil, mas o inquérito deve ser esclarecido em breve. Uma hipótese é de suicídio. O delegado Gustavo Barcellos aguarda o laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP). Segundo ele, o médico legista que examinou o corpo constatou asfixia:
— Pode ser pelo uso de medicamento. Não havia sinais específicos de sufocação direta ou estrangulamento — salienta Barcellos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os casos de depressão têm aumentado no mundo, o que exige mais atenção das autoridades e investimentos em serviços de saúde mental.
Confira abaixo os principais trechos das entrevistas com os pais de Fabiane:
Pioneiro: A Fabiane apresentava sinais de depressão há bastante tempo?
Walmi: Sim. Acho que era muita pressão em cima dela, cobrança, ter de fazer alguma coisa aqui, alguma coisa lá. Às vezes, ela nem tinha tempo para fazer o que o pessoal pedia. Acredito que era por isso que tomava (remédios). Ela procurou psiquiatra, fazia terapia, ia às sessões espíritas, era uma pessoa caseira, não gostava de se expor.
Ivo: No dia do meu aniversário de 68 anos (uma semana antes da morte), ela me fez uma surpresa e esteve aqui em casa, participou da festa. Para quem viu ela, estava tudo normal. Jamais imaginamos uma coisa dessas dias depois.
Por que vocês acham que ela teve depressão?
Walmi: Não sei, isso ela nunca me contou. No bilhete (deixado pela modelo antes de morrer, com orientações sobre o funeral e com quem deveria ficar o carro e o cachorro), ela dizia que era pela pressão de ter sido miss. Para mim, nunca comentou nada. Foi uma surpresa muito grande para toda a família. Vai ficar para sempre este questionamento: por quê?
Vocês eram bem próximos? Como era a relação familiar?
Walmi: Ela sempre foi minha princesa, nunca imaginei que seria também a miss. Tenho lembranças boas da infância, de tudo que passamos juntas. As paixões da vida dela eram os cachorros, se vestir bem, estar bonita sem ser vulgar. Ela se abria muito comigo, me contava as coisas. Estava tudo bem. Dia 26 (de junho, dois dias antes dela ser encontrada morta) era o aniversário do bebê afilhado (filho do irmão da modelo, Maicon Niclotti), estava todo mundo reunido. Fizemos almoço juntos, à tarde tinha festinha, não havia nada diferente que se notasse nela.
Ivo: Sempre estivemos unidos. Quando ela morou em Londres, falávamos todos os dias pelo computador. Quando morou em Porto Alegre, também. Às vezes, era meia-noite e ela telefonava para dizer que estava em tal lugar e queria saber como fazia para achar o endereço (na Capital) e ir para casa. Em todos os locais que ia, sempre trazia uma lembrança. Muito preocupada, me ligava para saber se eu estava bem, se precisava de ajuda. Nunca mudou em nada seu comportamento, nunca se tornou orgulhosa ou qualquer tipo de coisa assim. Eu posso dizer que ela nos deu muitas alegrias.
Falando um pouco da história de vida dela, como surgiu o desejo de ser modelo? Foi desde a infância?
Walmi: Não. Foi uma surpresa para nós quando ela ganhou o Miss Gramado. Ela trabalhava em uma boutique na cidade e foi convidada a concorrer. Quando vimos, já estava no Miss Brasil 2004, sem nunca ter falado em ser modelo. A gente nem sabia o que era miss, nunca havíamos pensado nisso. Sabíamos apenas do concurso Garota Verão. Isso foi tudo, como se diz, por acaso. No dia que fizeram o convite (para o Miss Gramado), ela me ligou e disse que tinha uma coisa para me contar. “O que?”, perguntei. “Estou grávida”, ela falou, e continuou: “Estou brincando, mãe. Me convidaram para ser miss”. Eu disse que apoiava no que pudesse e que enfrentaria. Ela falou que não sabia (se aceitaria) e foi na igreja para rezar. Pediu para Deus mostrar se fosse para ser, e aí foi iluminada e me ligou: “É para eu ir”. Então vai, eu falei. Depois, Deus me tirou ela.
Como foi quando ela ganhou o Miss Brasil? Como isso transformou a vida da família?
Walmi: Eu não via ela perder, sabe? O sentimento era de que ia ganhar. Depois do anúncio, quase nem deixaram ela conosco. Era tanta gente em volta. Só depois é que conseguimos ter contato com ela. Já no Miss Universo, não senti a mesma coisa. No começo era tudo surpresa, depois nos acostumamos. Só quando ela ia viajar que o coração ficava apertado. Acompanhávamos sempre que possível.
Ivo: Estávamos lá em São Paulo com uma comitiva de Gramado. Foi um gritedo, muita emoção. Agora estamos passando por um momento difícil, mas aquelas alegrias que ela deu para nós vão ficar eternamente. Um pai ter uma filha miss é o maior orgulho que se pode ter. Não é pelo dinheiro, pelo poder, por nada. É uma coisa diferenciada, é uma emoção grande que não tem nada que pague. Mas, nunca pensei também que chegaria um momento de tristeza como esse.
Quais eram os principais planos da Fabiane?
Walmi: Ela só falava em estudar, estudar, fazer faculdade, e acabou escolhendo o Direito (era aluna da Universidade de Caxias do Sul, em Canela, e se formaria em 2017). Era uma menina quieta, reservada, caseira. Não tinha namorado. O último relacionamento foi com um rapaz, que se mudou para Torres no começo do ano.
Ivo: Ela queria ser advogada, ter o escritório dela e trabalhar nisso. Ela estava estudando muito, se dedicando, queria mesmo era se formar. Foi convidada (pelo PMDB) para ser vereadora, mas nesse meio tempo surgiu uma oportunidade para trabalhar na prefeitura. Ela já tinha aceitado o convite dos amigos para concorrer à Câmara e estava vendo como fazer. A gente sempre espera que ela vai voltar, que está viajando.
O que dizer para famílias que podem estar passando por situação semelhante
Walmi: Você nunca pensa que vai acontecer contigo, nunca imagina que um dia possa ocorrer algo. Se tem condições de a mãe e o pai ficarem 24 horas com a filha, ou bem perto, é o melhor. Eu não pude.
“Falar de suicídio é terapêutico”, diz doutora em psicologia
A doutora em psicologia e professora da PUCRS Samantha Dubugras Sá faz um alerta: os sintomas da depressão nem sempre são visíveis. Após anos de pesquisas sobre as causas que levam à doença, ela chegou ao entendimento de que quando a depressão evolui para um quadro próximo ao suicídio, é preciso debater o problema abertamente. De acordo com ela, algumas pessoas procuram mascarar a situação e acabam falando sobre a morte quando já estão no limite de tirar a própria vida.
— A tendência é mudar de assunto, mas para quem pensa no suicídio, pode ser protetivo conversar. É um conforto. Falar de suicídio é terapêutico. Ela está pedindo ajuda, e a recomendação é procurar um especialista o mais rápido possível — afirma.
Entre os sintomas clássicos da depressão, segundo a psicóloga, estão o isolamento, dificuldades para dormir, alteração no peso, crises de choro e picos de tristeza. Aliados à desesperança, eles podem empurrar a pessoa ao planejamento do suicídio. Samantha ressalta que é preciso prestar atenção aos detalhes:
— Desconfie se a pessoa telefona para amigos e familiares que não falava há bastante tempo, se faz testamento, seguro de vida ou escreve coisas ligadas à morte. Muitas vezes, as pessoas deixam de falar porque acham que os outros não vão entender como ela se sente. O suicídio não é um ato impulsivo.