Meu luto fez dez anos na semana passada. Dez é coisa grande, você sabe: dois dígitos. Dez é grande o suficiente para fazer algumas coisas que antes só eram permitidas na supervisão de um adulto. Dez é grande o suficiente para parecer impressionante, para ter um peso para os demais. Aos dez anos você pode ir dormir mais tarde, o que é uma grande conquista.
Mas dez também significa que você está quase sendo colocado no reino desengonçado dos ‘pré-adolescentes’, o que parece, infelizmente, um diagnóstico médico. Os adultos param de te tratar como café com leite. Eles esperam que você se comporte melhor.
Há uma década o meu pai morreu, e eu tenho a sensação que todo mundo sente que já é hora do meu luto crescer e seguir em frente. Ninguém quer mais conviver com meu luto de dez anos. Meus amigos estão cansados dele e se sentem meio envergonhados quando meu luto tenta chamar atenção. Eles já tentaram animá-lo bastante, escutaram todas as suas histórias, assistiram suas lágrimas rolarem. Meu luto ainda quer ser acolhido, precisa de colo, mas é muito velho para isso agora.
Dez anos de luto é suficiente para aprender como cozinhar todos os pratos favoritos do meu pai, pratos que eu sirvo no Dia dos Pais ou no seu aniversário ou no aniversário de casamento dos meus pais. Dez anos é tempo suficiente para aprender que todos os filmes infantis inevitavelmente contem morte ou um pai ausente, então é uma boa ideia assistí-los em casa e não no cinema. É também suficiente para entender que no casamento de amigas é melhor estar próxima ao banheiro durante a primeira dança, pois a valsa do pai e filha acontecerá em seguida.
Dez anos significa que você não precisa se preocupar mais sobre como sair da cama ou tomar um banho ou não se tornar alguém fisicamente violenta com a próxima pessoa que lhe disser ‘tudo acontece por uma razão’. Seu cabelo parou de cair, e a insônia foi embora. Amigos e conhecidos há muito tempo pararam de perguntar ‘como você está?’ com aquela cara. Mas você até queria que eles perguntassem.
Agora, outros também fazem parte do clube que eu ocupei por tanto tempo sozinha. Apesar de estar feliz por não estar mais sozinha nesse clube, não é um lugar que eu desejo para ninguém. Eu me sinto como uma mensageira em um livro de fantasia adulto, sabe, o sujeito misterioso que recebe o herói ou heroína em um reino secreto? Eu não posso seguir com eles, mas eu posso abrir meus dez anos de luto para eles como um mapa em códigos, apontando as montanhas à distância, avisando sobre monstros que aparecem pelo caminho.
É através deles que eu percebo como já faz tempo que eu estive tão triste, chorando sem limites porque meu pai estava morto. Dez anos atrás, eu empacaria com a ideia de que um dia eu precisaria arrumar tempo para o luto, que não seria algo que estaria na minha cara em todos os momentos do dia, todos os dias. Mas minha vida cresceu para acomodar a ausência do meu pai, para me permitir completar todas as tarefas humanas que primeiramente me pareciam impossíveis sem ele. E isso é o que eu deveria ter feito mesmo, o que me permitiu criar uma vida da qual me orgulho tanto, uma vida de muita alegria, mas eu também tenho saudade, ainda que só por um momento, de ter vinte e três anos de novo, na minha cama da infância, seca pela perda e entorpecida pelo luto.
Durante os primeiros anos após a morte do meu pai, a possibilidade dele aparecer a qualquer dia, tocar a minha porta e explicar que tudo tinha sido um mal entendido horrível, brilhava nas bordas da minha vida cotidiana, quase como um sonho que você se lembra pela metade. Antes que eu pudesse impedir esses pensamentos, minhas mãos iam de encontro ao telefone para que eu pudesse ligar para ele. Eu jantava em um restaurante novo e pensava ‘ah, eu deveria trazer o papai aqui’, meu cérebro interrompendo ele mesmo um segundo mais tarde.
Mas agora, tanta coisa já aconteceu, tanta coisa meu pai já perdeu. Eu fiz um mestrado. Eu escrevi um livro. Eu me casei. Eu tenho um filho. O tecido da minha vida cotidiana é tão diferente do que era há dez anos. Além da minha mãe, quase ninguém com quem eu convivo no dia-a-dia conheceu o meu pai, o que faz com que eu sinta ainda mais a sua falta, não menos.
Mais do que qualquer coisa, eu sou incapaz de separar a pessoa que eu sou hoje do fato que meu pai morreu há dez anos. Sua morte e meu luto moldaram essencialmente tudo sobre como eu me movo no mundo.
No verão que meu pai morreu também foi o verão em que meus afilhados nasceram: gêmeos, filhos de grandes amigos, com quem eu vivi e me importei durante a hospitalização inesperada do meu pai até poucos dias depois da sua morte. Não pode haver maior simbolismo que esse – se fosse uma ficção, pareceria muito óbvio – mas lá eu estava, envolvida por novas vidas e pela morte. Eu acordava à meia-noite para ajudar a amamentar, preparar as mamadeiras, caminhar pela casa silenciosa e colocar os meninos para dormir; e depois eu dirigia, durante o sono deles, para o hospital e lia para o meu pai, segurava sua mão, assistia ele morrer.
Hoje os gêmeos têm, como meu luto, dez anos: pernas compridas, evidências físicas e magricelas de como o tempo passou. Como pode ser que tanto tempo se foi e hoje esses meninos têm idade suficiente para jogar em times de futebol e ler capítulos inteiros de livros sozinhos? Na verdade, eles acabaram de ler a série do Harry Potter, terminaram o livro sete alguns dias antes dos dez anos de morte do meu pai. Eu me conforto sabendo que esses meninos, cujas vidas me ajudaram tanto na minha primeira experiência de morte, agora conhecem os aprendizados da série; que a morte nunca nos abandona de verdade, suas cicatrizes nos servem de dor e também proteção, e que o amor é a força mais poderosa do universo.
(Essa é uma tradução livre feita por mim, Mariane Maciel, por me identificar e querer dividir com vocês o conteúdo. Infelizmente, o livro Modern Loss ainda não está disponível em português, mas pode ser comprado em inglês na Amazon. Já escrevemos um post sobre esse livro, saiba mais aqui.)