Frases como “quem fala que vai se matar não tem coragem” ou “fala que vai se matar só para chamar a atenção” podem ser mais que simples insinuações e se tornar motivação para pacientes com potencial comportamento suicida. Segundo levantamento feito pela Polícia Militar, mais de 600 pessoas tentaram tirar a própria vida ou cometeram suicídio nos últimos cinco anos em Uberlândia. Ao G1, uma mãe e dois pacientes relataram as aflições que enfrentaram diante ao tema.
O filho da voluntária Elaine Nunes de Oliveira, 49 anos, se enforcou na lavanderia de casa há um ano. O jovem tinha 27 anos e, segundo ela, era muito fechado, andava um pouco depressivo e na expectativa de retomar o relacionamento com a ex-namorada. Devido ao comportamento, a família chegou à conclusão de que ele estava bipolar, porém jamais imaginava que chegaria ao extremo de tirar a vida.
Depois de voltar de uma festa, a vítima mandou uma mensagem para o irmão mais novo dizendo que o amava e depois se enforcou. Elaine o encontrou na manhã seguinte e se apegar à fé e a trabalhos voluntários deu força para que pudesse amenizar a dor e a saudade de ter perdido o filho.
“Sou feliz? Não! Tenho momentos de alegria, mas tudo pela metade. Ainda sinto muitas saudades, só que o fato de ser espírita e seguir uma religião me conforta, porque entendo que a morte não é o fim. Também mudei minha visão sobre o suicídio pois pensava que quem se matava fosse covarde. Hoje eu entendo a dor e a solidão de alguém que chega a esse ponto. Principalmente para a família, que é quem mais sofre”.
Jovens tentaram autoextermínio
Uma estudante de 30 anos, que pediu para ter a identidade preservada, tentou suicídio várias vezes e em três delas chegou a ser internada. Tudo começou com problemas emocionais e de relacionamento com a família, excesso de responsabilidade e pressão no trabalho quando era atendente de telemarketing. Ela foi diagnosticada com quadro de depressão grave e chegou a ser afastada do trabalho.
Com a ideia fixa de morte, ela fez vários cortes pelo corpo e começou a ingerir grande quantidade de medicamentos. “Uma pessoa me disse que ninguém morria tomando remédio. Me senti desafiada e comecei a pesquisar substâncias e efeitos, misturava até álcool. Em uma das tentativas, quase fiquei em coma. Hoje eu continuo fazendo terapia e não tive novas crises, nem me considero doente mais. Posso dizer que me sinto realizada e capaz diante das responsabilidades, inclusive voltei a estudar”, relatou a mulher.
A sobrecarga no trabalho também foi um dos motivos que levou o comerciante Ryan Batistel, 32 anos, a tentar suicídio com alta ingestão de medicação tarja preta. Além de trabalhar na área da saúde e passar por forte pressão, ele não aceitava apresentar sobrepeso e tomava remédios para emagrecer.
Após a tentativa de suicídio, ele foi atendido em uma Unidade de Atendimento Integrada (UAI) onde esperou o efeito passar.
“Decidido colocar um fim na vida, chegando em casa, saí em direção ao viaduto da Avenida Monsenhor Eduardo e me coloquei para saltar. Um vizinho havia acionado a Polícia Militar que chegou a tempo e me impediu, levando-me para o pronto-socorro. Tive ajuda de psiquiatra e psicólogos. Hoje eu penso que se eu tivesse morrido, teria perdido muitas coisas da vida, como me formar, ter conhecido vários lugares. A vida de ninguém é 100% fácil, porém temos que enfrentar muitas vezes um ‘demônio’ interno e continuar, pois viver é muito melhor”.
Psiquiatra explica fatores relacionados
O psiquiatra e professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Ricardo Victal de Carvalho, explicou que geralmente o suicídio trata-se de um caso de transtorno mental, muitas vezes não diagnosticado, como a depressão ou a presença de sintomas psicóticos, como vozes que incomodam e determinam comportamentos nos pacientes.
Entre os fatores de risco associados à vontade de se matar estão prejuízos importantes na vida como falência, perda de emprego, problemas de saúde próprio ou em familiares próximos. “Na maioria das vezes as pessoas dão indícios de que querem cometer suicídio, seja em conversas com pessoas próximas ou relatos em consultas médicas”, esclareceu Victal.
Ainda de acordo com o médico, abandono de tratamentos médicos, relatos pessimistas nas redes sociais, bem como outras mudanças radicais no estilo de vida associadas a sintomas do humor como isolamento, tristeza, perspectivas pessimistas do futuro e desesperança, também podem ser sinais de um comportamento suicida.
Mitos sobre suicídio
No caso de pessoas próximas a pacientes com perfil suicida, o apoio e busca de ajuda profissional são imprescindíveis para identificar e tratar transtornos mentais, a fim de garantir a boa saúde mental do paciente. O psiquiatra comentou sobre alguns mitos relacionados ao suicídio e que, ao contrário do que se pensa, pode contribuir ainda mais para que o paciente cause a própria morte. Veja alguns:
– Quem quer se matar não fica falando, faz.
Geralmente o suicida anuncia para alguém que vai tentar ou cometer o suicídio.
– O suicida geralmente não dá indícios de que vai se matar.
Geralmente dá indícios através do relato ou de comportamentos diferentes do usual.
– Quem fala que vai suicidar não tem coragem.
A pessoa que chega ao ponto de comentar ou de tentar, já tem um risco aumentado de cometer o suicídio.
– Quem tenta suicídio só quer chamar a atenção.
Algumas situações nas tentativas de suicídio poderiam ser entendidas como uma linguagem apelativa e radical para manifestação de um sofrimento que possa não estar sendo devidamente valorizado, mas são a exceção.
– Ingerir medicação em grande quantidade não mata.
A dose letal dos medicamentos depende da substância e da predisposição individual. Medicamentos são potencialmente letais, sem dúvidas.
– Pular de andares mais baixos não mata, só machuca.
Iria depender do tipo de trauma e da região corporal acometida para que fosse fatal.
– Tendência ao suicídio é hereditária.
Existe uma chance hereditária associada ao suicídio, em uma porcentagem de pacientes, porém os fatores são variados e, individualmente, cada um deles teria uma relevância para que haja uma generalização.