Uma mulher cujo filho cometeu suicídio algumas semanas após ela ter sido baleada pelo marido está fazendo campanha para que o tema da violência doméstica vire matéria obrigatória nas escolas britânicas.
Rachel Williams foi alvejada em um salão de beleza na cidade de Newport, no País de Gales, em 2011. Após atirar na esposa, o marido, Darren, de 46 anos, cometeu suicídio. Semanas depois, um dos filhos do casal, Jack, com 16 anos, se enforcou.
“O que me preocupa é que talvez haja crianças crescendo nesse tipo de ambiente que pensam que isso é normal. Se não ensinarmos, como vão saber que não é normal?”, questiona Rachel. Ela luta para que o tema seja explorado em oficinas e outros eventos escolares.
Para a psicóloga Dalka Ferrari, a introdução do tema em sala de aula seria válida também no Brasil e poderia ajudar escolas a vencer o tabu de que existe um espaço inviolável da família. “Quando a criança fala, está pedindo ajuda”, disse à BBC Brasil a coordenadora do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV) do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.
Violência ‘normal’
Williams sofreu violência doméstica durante 18 anos. Os abusos começaram quando ela estava no sétimo mês de gravidez.
Finalmente, deixou o marido e pediu o divórcio. Mas, no dia 19 de agosto de 2011, ele foi ao salão onde ela trabalhava armado com um revólver. Williams foi atingida no joelho e duas clientes também se feriram.
O trágico suicídio do filho, semanas depois, lançou Williams em sua missão de tentar romper o ciclo da violência usando uma arma antiga: a educação.
“Talvez não seja um assunto como matemática ou inglês, mas é a sua vida no dia a dia. É o respeito não apenas ao seu parceiro, mas às pessoas em geral”, disse em entrevista à BBC.
“De que forma (o ensino do tema na sala de aula) poderia talvez ter ajudado no meu caso? Se a escola tivesse ensinado o que é um relacionamento saudável, talvez um dos meus filhos tivesse explicado (à classe) como era a situação em casa.”
“Isso talvez tivesse dado um impulso à minha decisão de deixar o agressor, porque agora havia um terceiro interlocutor envolvido. Porque quando a escola é envolvida, o serviço social também entra em cena. E isso abre uma rota de fuga para você.”
Quando o projeto para a introdução de leis contra a violência doméstica foi apresentado ao Parlamento galês, foi descrito como “pioneiro”. No entanto, a proposta foi alterada e hoje exclui a cláusula que obriga escolas a incluírem o tema no currículo. “Sem incluirmos nessa lei um dispositivo que crie um programa educacional, essa lei não vale nada”, afirma Williams, que faz campanha agora pela reinclusão da cláusula.
Culpa
Em 2012, um relatório publicado pelo órgão que fiscaliza a atuação da polícia concluiu que houve falhas sucessivas das autoridades e que o ataque contra Williams poderia ter sido evitado. Um outro relatório concluiu que o serviço social falhou no atendimento ao filho do casal, Jack.
Por exemplo, as autoridades não tomaram providências mesmo após serem informadas de que o adolescente estava praticando auto-mutilação – um claro sinal de alerta em casos desse tipo.
“O suicídio de uma criança é algo muito chocante, mas casos como esse não são incomuns nesse contexto, de violência na família”, explicou Ferrari.
“Quando um filho vê a mãe maltratada, quer defender e proteger essa mãe, mas não é capaz, então, sente culpa. Isso pode levar à auto-mutilação, a uma sensação de que ele não vai dar conta e de que é melhor o suicídio.”
“A esperança de identificação com uma figura de pai construtiva, de equilíbrio e de não agressão, cai por terra, e a criança se deprime.”
E, embora sem conhecer os particulares do caso de Jack Williams, a psicóloga não tem dificuldade em imaginar o tumulto interior vivido pelo adolescente.
“Viu o pai morto, a mãe no hospital, o mundo dele estava esfacelado. Começou a se culpar por não ter conseguido defender a mãe.”
Iniciativa brasileira
“Eu apoiaria uma campanha como essa no Brasil, aliás, temos tentado fazer isso aqui já há algum tempo”, disse Dalka Ferrari, psicóloga do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV) do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo.
“Se criança tem a chance de levar a violência doméstica para a sala de aula e acionar uma rede de sustentação, com pessoas preparadas e formadas para ajudar essa criança, isso é muito válido. A escola tem de saber que está sendo solicitada a entrar, porque a família não está dando conta”, diz Ferrari.
Segundo Ferrari, algumas escolas já abordam a questão da violência doméstica em pequenas assembleias e grupos de discussão, inclusive, seguindo cartilhas sobre o assunto. No entanto, são iniciativas das escolas e não fazem parte do currículo.
Entre os vários serviços de assistência a pessoas afetadas por violência doméstica no Brasil estão:
Disque 100 – Serviço nacional, gratuito, para denúncias, orientação e encaminhamento de casos de crianças e adolescentes afetados por violência.
Ligue 180 – Serviço nacional, gratuito, destinado a atender denúncias, orientar e encaminhar os casos de violência contra a mulher.
CNRVV – Centro de Referência às Vítimas da Violência do Instituto Sedes Sapientiae