“Pablo Villaça gentilmente me autorizou a publicar no blog o seu relato sobre Depressão e Ideação Suicida que ele postou em sua página no Facebook.
Já escrevi várias vezes neste espaço sobre minha longa experiência com a depressão – melhoras e pioras, insights e pontos cegos, lamentos e vitórias. Meu objetivo, ao fazer isso, é buscar tentar eliminar um pouco a aura de tabu que cerca a doença, já que o silêncio é uma de suas armas mais poderosas. Em 2015, inclusive, discuti aqui como, no ano anterior, havia flertado com o suicídio por enforcamento em um quarto de hotel em Porto Alegre – um texto que encerrei desejando que os companheiros que batalham contra a doença mantivessem sempre os pés firmes no chão.
Desde então, tive melhoras e pioras. Mas, mesmo nos piores momentos, considerava estar livre da ameaça do suicídio – porque, sim, é uma ameaça. Sei que isto pode soar estranho para quem nunca lidou com a depressão, mas pensar no suicídio como uma “escolha” não é algo que corresponde exatamente à experiência de quem a enfrenta. Há momentos e circunstâncias nos quais o suicídio quase deixa de ser uma ação e se torna… algo que ocorre.
E é por isso que é tão importante manter-se atento à doença e jamais subestimá-la ou considerá-la sob controle, já que é fundamental buscar ajuda antes que ela se torne forte o bastante para assumir as rédeas da situação.
Aliás, o pior erro que podemos cometer é acreditar que – por idade ou experiência – somos capazes de controlá-la sozinhos.
Um erro que cometi recentemente.
Há algumas semanas, viajei a Fortaleza para ministrar o último curso do ano. O que eu não havia dito a ninguém, obviamente, é que eu planejava secretamente que aquele fosse meu último curso e ponto final. No período anterior à viagem, acumulei remédios para dormir e receitas para comprar novos vidros. Na terapia, comportava-me como se tudo estivesse caminhando satisfatoriamente – e o mesmo com a família e os amigos. Enquanto ia calculando os dias que restavam.
Durante o curso, dei as aulas com a mesma animação habitual – e tenho certeza absoluta de que nenhum dos alunos seria capaz de imaginar o que estava planejando. O único indício do que havia decidido era o fato de ter anunciado que iria abrir uma turma nova em Recife, em janeiro, sem jamais ter de fato dado início às matrículas – já que era um curso que eu não ministraria. Quando alguém perguntava sobre isso, eu dizia que abriria inscrições em breve e desconversava.
Na quarta-feira do curso, fui a duas farmácias e comprei os remédios com as receitas restantes. Na sexta, após a última aula, retornaria ao hotel e engoliria todos.
Mas chega de suspense: eu não me matei, afinal de contas (parabéns para quem já havia concluído isso). O acaso acabou intervindo, mas isto é algo… pessoal e que reservo o direito de manter para mim.
Algum tempo depois, conversando com um amigo (que também enfrenta a depressão), este perguntou por que eu não havia buscado ajuda, conversado com alguém sobre isso. “Porque eu sabia que iriam tentar me impedir”, respondi.
O que percebo agora é que àquela altura minha FORMA DE PENSAR já havia sido alterada pela doença; normalmente, exponho qualquer ideação suicida assim que a noto, levando-a para a terapia e alertando minha família. Desta vez, porém, por julgar que poderia controlá-la sozinho, falhei em fazê-lo e ela tomou conta da lógica de autopreservação na qual costumo operar. Se não fosse o acaso, eu provavelmente teria sucumbido diante de uma ameaça que eu acreditava ultrapassada.
E por que divido isso aqui? Não para gerar simpatia (se há algo que não me falta é carinho dos leitores, que supera em muito as amolações com haters), mas porque – como já disse – acho ser fundamental que a depressão e seus riscos sejam discutidos de maneira aberta, sem sensacionalismo ou embaraço.
Assim, mantenham-se atentos, companheiros de luta: nem sempre o acaso é generoso como foi comigo.
Beijo em todos.
E lembrem-se: o CVV-Centro de Valorização da Vida está disponível em www.cvv.org.br e pelo telefone 141 (em alguns estados, o número mudou para 188).”