Relato de um sobrevivente enlutado pelo suicídio.
Precisamos falar sobre o suicídio e o luto por suicídio.
“O nome dela era Marina, mas ela era muito mais que isso: era Bacashy, Orangehay, Assucena Sunstrider, Esparadrapo e muitas outras que não conheci ou não me lembro no momento.
Ela era minha melhor amiga.
Uma das poucas pessoas em que nenhum assunto era proibido e nenhum silêncio constrangedor. Ela conhecia boa parte dos meus demônios, e eu, alguns dos dela. Se não tínhamos apreço por essas características, também não as julgávamos. Aliás, por vezes nos reconhecíamos nos traços do outro. Algum dia alguém disse que éramos almas gêmeas e desde então passamos a nos identificar assim.Marina e Eduardo
Na primeira tentativa de suicídio, ela me avisou, era madrugada e eu só vi a mensagem no dia seguinte de manhã. A “carta”, que eu perdi, continha uma breve despedida e um pedido de desculpas.
Apesar disso, na derradeira noite, não houve nada exceto as dicas esparsas e vagas que suicidas costumam deixar: a despedida foi um abraço e o pedido de perdão, inexistente. Talvez porque não houvesse o que perdoar.
Acho que fui o último rosto amigo não-familiar que ela viu e isso me enche de uma honra e culpa absurdos. Por um lado é uma lembrança da nossa amizade, mas é também uma lembrança da minha impotência frente à toda situação.
Olhando pra trás agora, é possível ver todas as dicas que ela semeou no nosso último encontro: a súbita melhora, objetos pessoais dados como presentes e até mesmo a despedida.
O luto se manifestou em mim principalmente na forma de raiva e até hoje sinto muita raiva, talvez mais do que tristeza. Raiva do mundo, raiva da doença, raiva de quem não entende e acha que é fraqueza, raiva de mim e raiva dela. Parte de mim ainda tem raiva dela por ter me deixado sozinho, por não ter me avisado dessa vez e por não ter se despedido como deveria.
A ausência dela também trouxe uma solidão avassaladora. Obviamente ela não era minha única amiga, ainda tenho amigos ótimos para me suportar. Mas nenhum amigo é igual ao outro e consequentemente, nenhum é igual à ela.
A morte dela criou um vácuo e o vazio deixado me desesperava. Apesar de ainda estar cercado de pessoas que amo, não conseguia deixar de me sentir sozinho. Talvez até abandonado.
Ainda agora, meses depois do ocorrido, penso nela todos os dias. Parte de mim acha que isso me faz mal, parte de mim acha que devo isso a ela.
Eu a vejo em tudo que dividíamos o gosto: Scott Pilgrim, Calvin e Haroldo, Senhor dos Anéis, Cavaleiros do Zodíaco. Sempre que descubro uma webcomic, tenho vontade de mostrar a ela. Se em vida nós não conseguimos decidir uma música que representasse nossa amizade, agora isso é o que não falta.
Autor: Eduardo Silva
Melhor amigo da Marina”