MARIANA. Aos 64 anos, José Caetano lamenta não poder desfrutar dos banhos nas cachoeiras de Bento Rodrigues. Antônio Augusto, 44, ainda chora a perda de suas orquídeas. A filha dele, Ana Carolina, 13, até outro dia mal saía de casa e tirou a primeira nota vermelha no colégio, triste pela saudade dos cachorros e pelo trauma de ter visto o tsunami de lama levar de uma só vez toda a vida de uma comunidade.
Com o rompimento da barragem da Samarco, há exatos dois anos, a vida de cerca de 1.200 atingidos mudou da noite para o dia. Obrigados a deixar o local de moradia, foram recebidos na área urbana com o estigma de “povo da lama”, relação que ficou ainda mais conturbada com o aumento do desemprego em Mariana, na região Central, de 5% para 23%, após o fechamento da mineradora.
A imputação de culpa sobre as vítimas e as agruras da nova vida fizeram aumentar o consumo de álcool e medicamentos. Cerca de 10% dos atingidos sofrem com algum grau de depressão, segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Mariana. Antes da tragédia, não passava de 30 o número de moradores dos distritos atendidos pelas equipes de saúde mental. “Houve um adoecimento da população, que teve seu modo de vida alterado”, diz o coordenador da Rede de Atenção Psicossocial de Mariana, Sérgio Rossi.
Depressão. Adoecimento que atingiu também quem já vivia em Mariana e viu de perto o desastre e a economia afundarem. Números do Estado mostram aumento de 67% nas tentativas de suicídio na cidade após a tragédia. Em 2015, foram 88; no ano seguinte,147; e, neste ano, até 25 de outubro, 91.
“Grande parte possivelmente tem ligação (com o desastre)”, afirma o subsecretário de Estado de Vigilância e Proteção à Saúde, Rodrigo Said, que atenta para a maior sensibilidade das equipes de saúde no registro dos casos, o que também pode ter contribuído para o aumento de notificações. A Prefeitura de Mariana diz que não há registro de suicídio e tentativa entre os atingidos, mas reconhece casos graves em que eles se cortaram.
Antônio Augusto não conseguiu se acostumar com o apartamento de 60 m². “A vontade era de ficar chorando, chorando, chorando… Qualquer coisinha era motivo”, diz com a caixa de antidepressivo em mãos.
As aulas de violão trouxeram um pouco da paz que José Caetano precisava. “O que mais fazia era chorar, por tudo o que perdi e vi meus amigos passarem. Agora, é menos frequente, mas, quando relembro, a crise de choro vem”.
A Fundação Renova afirma que vai avaliar os dados e ver “se precisa fazer mais do que tem sido feito”. “Essas pessoas tiveram o rompimento de alguns vínculos sociais, e o reassentamento deve trazer esperança”, diz Albanita Lima, do programa de Saúde e Proteção Social. A previsão de entrega do novo Bento é março de 2019.
“É ruim ficar preso. Aqui a gente entra e fecha a porta. Em Bento, ela ficava aberta esperando vizinho.” José das Graças Caetano (Zezinho do Café)
Pesquisa. Pesquisadores da Medicina da UFMG farão um estudo sobre a saúde mental dos atingidos. “Os danos materiais e ambientais foram quantificados mas o dano moral e psíquico ainda não foi mensurado”, afirmou o coordenador da pesquisa, Frederico Garcia.