RIO — O Brasil está em primeiro lugar no ranking latino-americano da depressão e em quinta posição no mundial, aponta um relatório global sobre transtornos mentais publicado ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo as estimativas da instituição ligada à ONU, em 2015 cerca de 322 milhões de pessoas (ou 4,4% da população global) sofriam com desordens depressivas, das quais mais de 11,5 milhões eram brasileiras — ou 5,8% da população nacional. Outro dado de impacto é a liderança na lista mundial de transtorno de ansiedade, calculado em aproximadamente 264 milhões de pessoas, sendo quase 18,7 milhões no Brasil, numa prevalência de 9,3% na população, o que quer dizer que quase um em cada dez brasileiros enfrenta problemas nesta seara, que inclui a chamada síndrome do pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo e desordens de estresse pós-traumático, ansiedade social e ansiedade generalizada.
De acordo com a OMS, tanto na depressão quanto na ansiedade houve forte alta no número global de vítimas frente ao último levantamento, que trazia estimativas para o ano de 2005. Na depressão, ela chegou a 18,4%, enquanto na ansiedade ficou em 14,9%. Nos dois casos, a OMS destacou que os números refletem não só o aumento da população global, mas também seu envelhecimento, o que expandiu a quantidade de integrantes nas faixas etárias mais avançadas, na qual a prevalência de ambos os transtornos é maior.
— Os idosos costumam estar mais isolados do que pessoas de outras faixas etárias — explica Dan Chisholm, coautor do relatório. — Muitos já perderam seus companheiros, e também têm a saúde precária.
Segundo Chisholm, no entanto, um dos dados mais intrigantes do relatório é o aumento da depressão entre os jovens, fenômeno que pode ter entre seus alicerces a popularização de novas tecnologias.
— Existem fatores socioeconômicos e ambientais, como a pobreza e a proximidade com casos de violência — cita. — Mas também há o potencial efeito das mídias sociais, que talvez estejam adicionando uma carga de pressão e ansiedade.
Quanto ao Brasil em particular, Chisholm cogita que o índice estaria relacionado à situação econômica:
— Pode ter algo a ver com a recessão e problemas de desigualdade de renda.
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, concorda. Ele avalia que na última década fatores como os desdobramentos dos casos de corrupção e a carência da rede pública de saúde contribuíram para o elevado registro da depressão no país.
— Passamos por um período de descrença. Perdemos identificação com a política e com empresas que, antes consideradas referências, estão envolvidas em escândalos — considera. — O sistema de saúde pública é péssimo. Quem adoece não melhora mais. Temos um contingente imenso de pessoas que foram afastadas do mercado de trabalho devido a transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade e pânico. Ainda assim, não existem clínicas de reabilitação para elas.
Há cerca de 20 anos convivendo com diagnóstico de transtorno do pânico e depressão, a jornalista Karen Terahata, 41 anos, recebeu com pouca surpresa, mas alguma emoção, a informação de que a OMS apontou o Brasil como líder mundial e latino-americano dos problemas.
— Esta notícia até me deixa meio que emocionada — diz Karen, criadora, há dez anos, do blog e hoje portal “Sem transtorno!”, dedicado à discussão, esclarecimento e apoio sobre esses distúrbios. — É tão difícil conseguir diagnóstico e tratamento no Brasil e agora descubro que o que venho falando e alertando há tantos anos finalmente foi exposto de forma contundente pela maior autoridade mundial em saúde.
MUDANÇAS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Assim, Karen tem esperanças de que o relatório da OMS leve as autoridades nacionais a instituírem e darem mais atenção a políticas públicas voltadas para a questão no país.
— Espero que, com isso, agora tenhamos mais investimentos em saúde mental — torce. — No Brasil é muito difícil uma pessoa receber a orientação correta nestes assuntos, seja por falta de atenção ou por preconceito, mas o psiquiatra muitas vezes é o único profissional capaz de ajudar. Então vejo este relatório como um grande passo para muita coisa mudar aqui.
Por fim, o relatório da OMS também aponta os transtornos de depressão e ansiedade como principal causa das mortes por suicídio registradas em 2015, quando chegaram a cerca de 788 mil. Inácio Queiroz, de 49 anos, voluntário há quase duas décadas do Centro de Valorização da Vida (CVV), diz ter notado um aumento no número de chamadas nos últimos anos no Brasil. Anualmente, o serviço nacional que oferece apoio emocional e prevenção de suicídio realiza mais de um milhão de atendimentos.
— O deprimido, muitas vezes, fica repassando um momento traumático e isso cansa as pessoas que estão em volta — diz Queiroz. — No CVV, ele encontra alguém disposto e treinado para ouvi-lo.