O tema do suicídio foi protagonista de calorosos
debates no Brasil em 2017. Após o lançamento
em abril da série “Os 13 porquês”, da Netflix, e diversas
notícias sobre o jogo “Baleia Azul”, as redes
sociais foram inundadas pelo assunto e o tema ganhou
repercussão nacional.
“É um enlatado cheio de
clichês, mas nos traz elementos nos quais os jovens
se reconhecem”, diz Netto Berenchtein, especialista
no tema e professor da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), sobre sua primeira impressão sobre
a série. Para ele, a obra não apresenta nada que
não aconteça abundantemente na sociedade, mas
tampouco avança na explicação desses fenômenos.
“Boa parte das críticas se dão, principalmente,
pelo aspecto que estou apresentando como o mais
positivo, que é a desassociação do suicídio com os
transtornos psíquicos”.
O professor defende a não vinculação obrigató-
ria do suicídio com patologias. Ao associar, de forma
quase imediata, o suicídio com os transtornos psíquicos,
a Organização Mundial da Saúde (OMS) e seus
representantes reduzem as causas de um fenômeno
de natureza complexa a outro – de natureza tão
complexa quanto o primeiro – e encerram por ali o assunto,
sem buscar as causas profundas nem de um,
nem de outro.
Em “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais
da mídia”, disponível no site da OMS, um dos
tópicos adverte: “deve-se abandonar teses que explicam
o comportamento suicida como uma resposta às mudanças culturais ou à degradação da sociedade”.
Berenchtein acredita que mesmo que evidentemente
não desejemos que as pessoas se matem, tampouco
basta que elas simplesmente permaneçam vivas
para não expor as vísceras dessa sociedade.
Berenchtein acredita que por esse caminho o máximo que se conseguirá é impedir que as pessoas
tirem suas vidas e obrigá-las a viver a mesma vida
que lhes fez desejar e buscar a morte.
“Sem considerarmos honestamente que os mesmos motivos
atingem inúmeras outras pessoas, continuaremos
vendo, alarmados, os índices de suicídio crescerem,
sem agirmos sobre aquilo que produz tal crescimento,
tratando o fenômeno como um ‘problema’ de indivíduos
ou de grupos, e não como a expressão de
um conjunto de fatores que se passam dentro de
uma determinada sociedade, em um determinado
momento histórico”.
“Um importante dado sobre os possíveis efeitos
da série é o aumento de 15% nos pedidos de ajuda
do CVV [Centro de Valorização da Vida]”, diz Clarice
Paulon, doutoranda em Psicologia Clínica pela Universidade
de São Paulo (USP) e vice-presidente do CRP
SP. “Isso nos mostra que, talvez, as pessoas estejam
conseguindo falar melhor sobre o tema”.
Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP, destaca como um grande aspecto
positivo o fato de a narrativa mostrar, no seu capítulo
12, “tudo o que um psicólogo não deve fazer diante
de uma adolescente que está às voltas com questões
como as que a personagem Hannah estava”.
Paulon explica que os manejos que a/o profissional
psicóloga/o deve realizar nesses casos são construídos
por meio de uma escuta sempre cuidadosa,
atrelada às técnicas de sua abordagem. “A subjetividade
é extremamente complexa e não conseguimos
delimitar todas as causas ou razões para que uma
pessoa cometa suicídio”, conclui.
Mas influencia ou não?
Christian Dunker é taxativo: uma obra de ficção
pode influenciar as pessoas a cometerem suicídio. E
ele destaca que esse contágio é um velho conhecido,
ligado sobretudo a um livro: Os Sofrimentos do Jovem
Werther, escrito em 1774 pelo célebre escritor alemão
Johan Wolfgang von Goethe.
A obra conta a história de um rapaz que vive uma
paixão profunda e conflituosa com a moça Charlotte,
prometida a outro homem, fato que o leva a perder
o sentido da vida. Após a publicação, ocorreu uma
onda de suicídios na Europa, que foram atribuídas ao
romance e criaram o termo “Efeito Werther”.
‘Bullying’
O bullying é um conjunto de violências (psíquicas
e físicas) comumente baseadas em preconceitos,
ligados principalmente aos sujeitos das opressões
necessárias ao desenvolvimento do capitalismo –
historicamente, mulheres e negros e outras minorias
étnicas e, posteriormente, lésbicas, gays, bissexuais,
transexuais, transgêneros e intersexuais, define
Berenchtein.
Ele lembra que a série “Os 13 porquês” enfatiza que
algo de pequena relevância para alguns sujeitos (ou
ainda para quem perpetra determinado ato) pode ser
percebido e interpretado de maneira distinta por quem
esteja em sofrimento. A forma como a escola reage
no contexto da série, mais preocupada em preservar
sua imagem do que com as relações que ali ocorrem,
tem semelhanças com muitas instituições de ensino
da vida real.
Dunker acredita ser uma atitude muito comum entre
educadores achar que o bullying não é um problema
diretamente da escola, “algo que está do lado de lá,
entre os alunos, que ocorre no espaço privado. Isso
é um bom exemplo do que acontece quando a gente
perde o senso da experiência comunitária”.
Ética Profissional
É facultada à/ao psicóloga/o pelo Código de Ética
Profissional, em seu décimo artigo, a quebra do sigilo
profissional em situações em que avalie que tal
atitude implicará na busca pelo menor prejuízo e a
quebra de sigilo não extrapole ao elemento específico
que a motivou.
Em todos esses casos e seguindo as orientações do
Manual de Orientações, Legislação e Recomendações para
o Exercício Profissional do Psicólogo, é importante a/o
psicóloga/o, sempre que possível, discutir sua decisão
com outros profissionais que estejam envolvidos no
manejo da situação em questão, preservando sempre,
ao máximo, o sigilo e a integridade do sujeito ou dos
sujeitos envolvidos e buscar informações e auxílio
com o Conselho de Psicologia.
No que tange às declarações das pessoas de que
desejam morrer, elas devem ser sempre levadas a
sério e a/o psicóloga/o (ou outro/a interlocutor/a),
deve dar a devida atenção ao sujeito, nunca se deve
desconsiderar esse tipo de manifestação.
Leia a matéria completa no Jornal Psi nº 190 em: https://goo.gl/Qf4Eqx