Ao redor do mundo, pistas de dança são espaços de diversão e sociabilidade. No vilarejo de Arviat, na região polar do Canadá, a prática tem um papel que vai muito além disso: a dança se tornou uma aliada no combate ao suicídio entre jovens.
Arviat tem cerca de 2.800 habitantes, quase todos inuit, nome dado aos indígenas de territórios na região do Ártico. Fica no gigantesco território de Nunavut, maior que o estado do Amazonas e responsável por metade da porção ártica do Canadá.
A taxa de suicídio nesse território é onze vezes maior que a média nacional. Entre jovens de 15 a 19 anos, a taxa é 40 vezes maior nessa região que entre a mesma faixa etária no restante do Canadá. Comunidades indígenas canadenses remotas como as de Arviat enfrentam problemas como pobreza, falta de emprego, de moradia e de possibilidades. Para os jovens dessas áreas isoladas, a sensação de desesperança bate fundo.
“Dancing towards the light” (dançando em direção à luz, em tradução livre), um mini-documentário de 2017 da CBC, emissora de rádio e televisão pública canadense, expôs a situação. Entre as histórias mostradas pelo filme, está a de Andy Evaloakjuk.
Aos 21 anos, ele já enfrentou o suicídio de parentes, de uma ex-namorada e de seu melhor amigo. Também já tentou se matar. Por meio do computador, veio “uma luz”. Os jovens da cidade começaram a se interessar por vídeos de dance music no YouTube. As batidas e melodias animadas de produtores italianos como Gigi D’Agostino soaram bem aos ouvidos locais.
Em pouco tempo, a apreciação evoluiu para a dança. Em seguida, vieram os eventos e as competições, chamadas de “teen dances”. Dançar virou mania em Arviat. “Seria uma cidade chata, sem as danças para jovens aqui. As pessoas não saberiam o que fazer ou para onde ir”, disse Andy à CBC. “A dança mantém os garotos longe das coisas sombrias”, afirmou Doreen Ikakhik, que organiza uma grande competição anual chamada Sila Rainbow.
Como preparação para Sila Rainbow, realizada desde 2010, pequenas provas vão acontecendo ao longo do ano. A competição maior acontece durante dois dias no prédio municipal do vilarejo. O prédio fica tomado pelos locais. Além dos dançarinos competidores, famílias e amigos preenchem o salão e também caem na pista. Muitos dizem que os sons dance lembram os ritmos tradicionais dos inuit. O vencedor leva um prêmio de cerca de US$ 1.500.
“Depois que a competição termina, todos saem pelas ruas, o que é sempre bonito de se ver”, contou Kitra Cahana, co-diretora do mini-documentário, reproduzido abaixo:
Apesar do clima de celebração, a ocasião também é usada para lembrar dos mortos e abordar a questão dos suicídios. De acordo com o vídeo da CBC, houve um momento de silêncio pelos que se foram na competição de 2016.
No segundo dia, um pai cuja filha se matou pediu que os jovens evitassem os sentimentos ruins. “Pensem nos seus pais. Pensem nos seus irmãos. Vocês são amados!”
Os suicídios indígenas pelo mundo
Comunidades indígenas em vários países sofrem com o suicídio. Apesar das circunstâncias terem variações, estudiosos têm apontado que em muitas destas localidades o problema está relacionado à perda da identidade cultural.
Na Austrália, aborígenes e nativos do Estreito de Torres (ao norte do país) entre 25 e 29 anos registram taxas de suicídio que podem ser consideradas entre as mais altas do mundo. Esse recorte demográfico específico tem um índice de suicídio de 90 casos para cada 100 mil habitantes. De acordo com dados de 2012 da OMS (Organização Mundial da Saúde), o índice mundial é de 11,6 por 100 mil habitantes.
O país chegou a registrar um caso de suicídio de uma menina de 10 anos. Voluntários que trabalham com populações indígenas na Austrália se referem à situação como “crise humanitária”. A falta de perspectivas, problemas de saúde mental e abuso de álcool e drogas estariam entre os motivadores.
Na Nova Zelândia, a disparidade de taxas de suicídio entre indígenas e o resto da população é um pouco menor, mas considerável mesmo assim. Dados do governo mostram que o índice para homens e meninos maoris é de 21,1 mortes por 100 mil habitantes, comparado a 14,6 em homens e meninos que não são Maoris. Para mulheres e meninas, as taxas são 11,1 (maoris) e 5 (não-maoris).
Um estudo da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) destaca que os maiores índices de suicídio do Brasil ocorrem em áreas com grandes comunidades indígenas. Os jovens indígenas brasileiros sofrem com tensões sociais causadas por conflitos em torno da demarcação de terras e drásticas mudanças sociais sobre seus povos.
Das cinco cidades com as maiores taxas de suicídios de jovens de até 19 anos, quatro ficam no Amazonas, estado com a maior população indígena do Brasil. Merecem destaque também os casos de suicídio entre os guarani-kaiowá, que ajudaram a colocar o município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, na sétimo colocação em proporção de suicídios de jovens no país. Entre as causas do alto índice estão o rompimento de tradições, a perda da identidade cultural e o alcoolismo.
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/07/21/Como-ind%C3%ADgenas-do-Canad%C3%A1-usam-a-dan%C3%A7a-para-combater-o-suic%C3%ADdio