O suicídio é a segunda principal causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos. O dado é da Organização das Nações Unidas (ONU) e fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) definisse o suicídio e as tentativas de suicídio como prioridade na agenda global de saúde. No entanto, especialistas avaliam que o assunto ainda é um grande tabu.
Antes de tudo, psicólogos e psiquiatras defendem que é preciso se convencer de que transtornos mentais em adolescentes são reais, e não apenas ‘drama’. “A gente tem a ideia de que o adolescente é ‘aborrecente’ porque está passando por mudanças hormonais, fica irritadiço, dorme demais… Ficamos com uma visão estereotipada de que esse comportamento é normal da fase. Mas ele pode estar com depressão sem que ninguém perceba”, explica Josie Conti, psicóloga.
Por isso, mesmo que exija muito cuidado, a conversa sobre o assunto é essencial, defendem os profissionais. Josie, por exemplo, afirma que o tabu sobre o suicídio e até mesmo sobre os transtornos mentais nessa fase faz com que os adolescentes que passam por isso se sintam excluídos.
Para ter uma conversa mais honesta, é necessário quebrar mais alguns estereótipos sobre a adolescência. A psiquiatra, professora e pesquisadora da USP e da PUC-SP Miriam Debieux explica que a fase é um momento de ‘luto’, um processo de se transformar e deixar muito do que se conhecia para trás. “Socialmente é visto como um momento de alegria, a melhor fase da vida, em que se descobre o mundo. Mas não é assim que o adolescente se percebe. Ele está perdendo todas as regalias da infância e não tem as do adulto.”
O modo de se relacionar com o mundo muda, ao mesmo tempo em que há muita energia para gastar. “Muitas vezes isso é transformado em angústia e ansiedade porque ele não consegue dar uma direção para isso”, explica Miriam. “O adolescente, justamente pelo momento de transformação, calcula mal as consequências de suas ações”, completa. Somado à necessidade de pertencer a um grupo, isso pode levar o jovem a tomar decisões que o prejudiquem, principalmente se não está estabilizado emocionalmente, diz Josie.
Como identificar. Não é simples saber que o filho, um amigo ou aluno passou do ponto da tristeza ‘comum’, aquela que todos sentem, e está com algum transtorno como a depressão. A primeira dica, de acordo com Josie, é prestar atenção na persistência desse humor. “Uma pessoa não fica mal por muitas semanas. Tem que ter cuidado para não subestimar os sintomas do jovem porque ele é adolescente e ‘faz parte’.”
Carlos Correia, voluntário do Centro de Valorização da Vida, vai na mesma linha. Ele explica que há sinais que apontam para tendências suicidas das pessoas, mas que muitas vezes doenças psiquiátricas não são levadas com tanta seriedade. “Temos o hábito de ir ao médico medir pressão, temperatura, mas não temos o hábito de ver nossa saúde mental e emocional. Existe muito preconceito em cima disso”, opina.
Um sinal típico de uma pessoa que poderia vir a cometer suicídio é falar sobre o sofrimento. “Ele [potencial suicida] verbaliza que está cansado, que qualquer dia vai sumir, que vão se livrar dele”, alerta Correia. O voluntário ainda diz que é comum que não se dê importância para essas frases ‘jogadas’. “Na dúvida, acho que não devemos pagar para ver.” Josie concorda e exemplifica: “Há falas que a gente subestima, como ‘quero morrer’ ou ‘não faço falta’. Tendemos a achá-las dramáticas, mas não devem ser ignoradas. Não podemos nem superestimar nem subestimar.”
Outro sinal evidenciado pelos especialistas é o processo de solidão. O afastamento dos amigos, os vínculos quebrados em todos os campos: escola, casa e outros círculos sociais. “A pessoa começa a se fechar e, muitas vezes, quando ligam para nós no CVV, é a última tentativa de romper com esse isolamento, é quase um pedido de socorro”, relata Correia.
Como ajudar. A abordagem dos pais é um assunto bastante delicado. Por isso, Miriam sugere que eles mesmos procurem especialistas se estiverem em dúvida sobre como falar com os filhos sobre depressão ou suicídio. Josie alerta que a conversa será pouco eficaz se não houver diálogo constante ou cumplicidade no dia a dia. É preciso que os jovens se sintam participantes das decisões da família.
Em vez de chamar o filho ou a filha para conversar e ‘encaixá-lo’ em uma categoria – dizer que ele é agressivo, que não consegue se adaptar às normas sociais -, o ideal é apoiar o adolescente e incentivá-lo a encontrar atividades que ajudem a ‘extravasar’. “Os pais podem ajudar a indicar uma forma de expressão. Música, desenho, teatro, vida intelectual…”, exemplifica Miriam.
Miriam adiciona, ainda, que os pais costumam tratar o adolescente de forma controladora. “Ele não é mais um adulto protetor, é muito mais severo e julga, controla muito mais do que uma criança, para a qual respondia de uma forma educativa. Com adolescentes há menor tolerância e se esquece da função educativa”, afirma.
Escola. E falando em educar, a escola tem um papel importantíssimo na prevenção do suicídio entre jovens, defendem os profissionais entrevistados. Josie pondera que ainda há muito a ser feito nesse sentido. “Vemos que há casos em que um aluno se suicida na escola, mas ninguém conversa sobre isso. A conversa deveria ter vindo antes, mas não dá para não conversar. Vira um tabu, que é ou temido ou idealizado”, defende.
Segundo informações da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, as escolas da rede estadual fazem parte de uma rede de proteção pela qual estabelecem parcerias com Centros de Atenção Psicossocial, Postos de Saúde, Conselhos Tutelares, Delegacias da Mulher, e outros órgãos de atendimento para encaminhamento de estudantes.
Todas as unidades de ensino desenvolvem as ações do Sistema de Proteção Escolar da Secretaria, que estabelece práticas pedagógicas e formações de professores da rede para combate ao bullying, prevenção a conflitos, promoção de atividades restaurativas e cultura de paz no ambiente escolar. Desde 2010, a Pasta já ofereceu mais de 11 mil formações para 5,4 mil professores, que são multiplicadores em suas escolas.
O combate ao bullying está inserido no currículo oficial do Estado de São Paulo para alunos de todas as idades, informa a Secretaria. As escolas estaduais e seus alunos também assinaram um pacto na campanha ‘Chega de bullying: não fique calado’, uma parceria da Secretaria da Educação com o canal Cartoon Network.
Miriam defende que os professores podem tomar algumas atitudes para ajudar seus alunos a enfrentarem essa fase da vida. “O professor é um dos maiores vínculos do adolescente com os saberes do mundo. Mas muitas vezes ele é muito técnico, muito informativo, pouco incentivado na perspectiva de educador, de estar mais próximo dos alunos”, diz. Ela explica que os docentes precisam se preocupar em fazer uma articulação do conhecimento com o mundo, para que a escola não pareça inútil na definição de quem o adolescente é.
Portanto, os profissionais defendem que todo mundo pode ajudar a fortalecer a rede de apoio de um adolescente antes mesmo de ele começar a demonstrar sinais de depressão ou tendência suicida. “Se todos nós soubéssemos da existência deles [fatores] e procurássemos nos melhorar como pessoas e darmos atenção para esses sinais e valorizar, isso ajudaria até quando acontece o fato, para a gente não ter esse sentimento de culpa”, diz Correia.