Sobre o luto e a importância de falar sobre seus sentimentos neste processo.
“O que eu fiz foi enterrar a cabeça no chão e nunca sequer pensar na minha mãe. Eu achava: “o que adianta lembrar? Nada vai trazê-la de volta”. O desabafo do Príncipe Harry da Inglaterra em uma entrevista de 30 minutos para uma jornalista inglesa (Bryony Gordon, do Daily Telegraph), marcou o fim de 20 anos de silêncio sobre seu luto pela morte da mãe, a Princesa Diana, vítima de um acidente de carro em agosto de 1997.
O caçula Harry tinha então 12 anos, seu irmão, William, 15, e a figura do pequeno garoto ruivo, vestido a rigor, caminhando contrito no cortejo fúnebre da princesa, foi uma das imagens mais comoventes do trágico episódio. Quem acompanhou a comoção mundial da morte da bela Diana, deve se lembrar bem.
A vida e a realeza seguiram seu curso, os jovens príncipes cresceram e tiveram trajetórias diferentes: o mais velho, herdeiro do trono, hoje casado com a duquesa Kate Middleton e pai de duas crianças, sempre demonstrou serenidade e comportamento contido. Harry teve uma adolescência mais livre e rebelde, marcada por alguns flagrantes de festas, bebedeiras e atitudes menos convencionais para um membro da família real. Nada muito diferente de um adolescente comum, a não ser pelo fato de estar eternamente sob os holofotes.
Em seu inédito depoimento à imprensa, Harry disse que sofria crises de ansiedade durante os compromissos públicos da coroa durante os quais, revelou, esteve “próximo a um colapso total e na eminência de agredir alguém fisicamente”. “Foram dois anos de caos total “diz Harry, referindo-se ao ápice de sua crise, antes que finalmente decidisse procurar ajuda terapêutica e enfrentar a necessidade de cuidar do luto e de suas emoções. “Eu posso afirmar que perder minha mãe aos 12 anos e então reprimir minhas emoções pelos últimos 20 anos teve um efeito muito sério não apenas na minha vida pessoal mas no meu trabalho também”.
Quem o encorajou a buscar ajuda foi seu irmão William, a quem abençoa por isso e de quem sempre foi muito próximo. “Ele disse que eu realmente precisava lidar com meus sentimentos. Não é normal pensar que isso não vai afetar sua vida.” Foi a dor da perda e não o período estressante que passou no Afeganistão, onde prestou serviço militar, que mais o abalou: “a origem dos meus problemas emocionais está na perda precoce da minha mãe. Posso afirmar com certeza que não sou, felizmente, um daqueles militares que viu seu melhor amigo atingido por uma bomba ou teve que socorrer alguém mutilado em campo”. O seu trabalho em uma unidade de recuperação, entretanto, onde pode ouvir feridos e doentes falar sobre sérios danos mentais foi um ponto de virada em sua compreensão de si mesmo.
“Desde que aprendi a falar honestamente sobre os meus sentimentos, me sinto capaz de me empenhar com sangue, suor e lágrimas em fazer a diferença para os outros”.
Assim, ao lado do irmão e da cunhada, Harry abraçou a campanha Heads Together, que se propõe a quebrar o tabu dos distúrbios mentais. E a tratar com empatia e naturalidade as pessoas que sofrem de depressão, pânico, ansiedade, motivando-as a falar e assumir seus males. Em um dos vídeos que fizeram para apoiar a causa, o Príncipe William diz acreditar que uma simples conversa franca tem o efeito de uma medicação e pode fazer toda a diferença na vida de um jovem. “Quando você é jovem”, diz William, está enfrentando as questões escolares, as pressões sociais e começa a achar, pelas redes sociais, que a vida dos outros é perfeita. Então acha que deve haver algo de errado com você. E simplesmente esconde toda sua angústia e sofrimento. Há as feridas visíveis e há as feridas invisíveis, ninguém vê os efeitos que elas tem sobre você”.
O que a história dos príncipes mostra é que, como sempre dizemos aqui, todos os lutos são singulares mas têm em comum uma história de amor e a dor imensa da sua perda. Tentar ignorar esses dois lados em um processo de luto, apagando as memórias felizes ou reprimindo a tristeza e a saudade tem efeitos devastadores na vida de qualquer pessoa, principalmente sobre crianças ou jovens em formação. Os jovens príncipes ingleses não poderiam ter evitado a morte precoce da mãe mas podem, e hoje sabem disso, dar um final mais feliz à própria história.