“Ninguém acredita que criança tem depressão”, sentencia a neuropsicóloga Kelly Glay Sakehama, 43 anos. Quando os primeiros sintomas aparecem, como queda do rendimento escolar, irritabilidade constante e até a tão falada hiperatividade, os pais ou responsáveis tendem e pensar que o pequeno tem qualquer outro transtorno, menos, a doença dos “adultos”.
“Normalmente no ambiente escolar vai ocorrer alguns relatos de dificuldade de atenção, memorização. É o caso da professora que nunca reclamou daquela criança, que é mediana, nem boa, nem péssima, mas que começa a ter um déficit significativo”, afirma Kelly.
Enquanto os adultos tendem a ficar chorosos, a criança caminha para o outro lado, apresentando quadros de irritabilidade. “A criança vai ter dificuldade de atenção, mudança de comportamento, o choro que parece birra. A mudança de comportamento é o mais importante. Se seu filho está mais lento, esquece de anotar a tarefa, pode indicar algo que precisa ser estudado por um profissional”, pontua.
O tema começou a ser analisado mais profundamente por psiquiatras e psicólogos a partir dos anos 90. Agora, a depressão infantil é o foco de cursos voltados para profissionais da área de saúde, como o oferecido pelo médico psquiatra Rodrigo Abdo, no Sapiens – Estudo de Pesquisas Psicossociais. “Eu estudo as patologias relacionadas a criança desde a época da residência médica, em específico o transtorno depressivo. No próprio meio científico até os anos 60 não se acreditava que existia a depressão infantil, dos anos 90 para cá que mudou”, ressalta.
Abdo diz que a depressão normalmente é confundida com o TDHA (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade). “A criança pode não ficar apenas triste, mas sim hiperativa, explosiva, irritada. A história clínica da criança deve ser analisada. Do ponto de vista da literatura, a doença pode aparecer na idada pré-escolar”, aponta.
Kelly atendeu durante anos, um garoto de apenas quatro anos que havia perdido a mãe com poucos dias de vida. O pai precisou trabalhar e ele foi criado a maior parte do tempo pela avó. Foi a madrasta que notou uma mudança no comportamento e procurou ajuda médica. “Foi um processo muito difícil para ele.
Perdeu a mãe, ficou sem pai, mas com oito anos de idade ele saiu da depressão. É um menino lindo, maravilhoso. O apoio familiar é essencial para o desenvolvimento da criança na doença e para sair desse processo. Pode ser o melhor psicólogo, mas ele não vai ajudar sem o apoio da família”, ressalta.
Em outro caso que atende, a mãe tem um quadro de depressão, o filho já a viu durante um surto e ele não sabe lidar com essas situações. “A mãe é fantástica, mas ela também estava passando por um momento difícil. Os sinais podem aparecer também em crianças que fazem muito cocô nas calças, tem distúrbios do sono e geralmente quando a escola fala que ele não está bem. Na maioria dos casos, o ambiente favorece a evolução do quadro”, descreve.
Ambos os profissionais acreditam que não há tratamento completo sem a psicoterapia. “Não adianta só o medicamento, ele vai funcionar por um tempo, produzir serotonina, mas é necessário uma mudança comportamental. O filho que sempre escuta que não presta, que não dá para nada, parece com o seu pai, esse tipo de frase, terá dificuldades. É preciso mudar o ambiente externo, saber o que está acontecendo. Normalmente a criança é um radar, ela percebe quando o ambiente não está bom para o desenvolvimento dela”, frisa.