Doutora em Saúde Pública, socióloga e com ampla atuação em pesquisa social, a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENP/Fiocruz), Cecília Minayo, esteve em Manaus debatendo sobre violência, desigualdades sociais e suicídio entre idosos, tema este encoberto por um véu de mistério e mesmo falta de conhecimento.
Durante sua palestra sobre Marcos Teóricos dos Estudos de Determinação do Processo Saúde Doença, que abriu o seminário Determinantes Sociais do Processo Saúde-Doença: condições desiguais de vida em espaços amazônicos na sede do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazonas), Minayo discorreu sobre as determinantes das desigualdades e afirmou que o tema é muito mais complexo do que parece.
Leia a seguir trechos da entrevista que a pesquisadora concedeu à Fiocruz Amazonas.
O Brasil atravessa uma grave crise econômica, política e mesmo moral, em que as dificuldades financeiras, o desemprego e a violência têm crescido de forma assustadora. Qual o impacto que causa esses fatores na saúde pública?
Cecília Minayo: Eu acho que esse momento que estamos vivendo tem um impacto positivo e impacto negativo. O impacto negativo é o da insegurança, do medo, do aumento das dificuldades sociais, particularmente para as pessoas que fazem parte desse grupo social mais pobre, onde os empregos são mais deficientes, onde há mais fragilidade social, onde os problemas de saúde são maiores. Agora, eu considero que tem um lado muito positivo, que é o lado de nós descobrirmos as nossas próprias fraquezas, por exemplo. A questão da corrupção sempre houve, mas só agora que ela veio à tona com essa força, atingindo todos os que atuam nesse campo. Então, acho que isso é um fato muito positivo e nós, nos momentos de dificuldade (a gente aprende isso na vida), que os obstáculos nos ajudam a caminhar para frente, a dar passos para vencer. De todos os povos que passam por dificuldade, mas que veem uma luz – e essa luz nunca vai vir de um político, de um presidente – vai vir da própria força da sociedade, e eu acho que isso também está claro, tanto a dificuldade quanto a esperança e as expectativas.
A senhora tem uma pesquisa que mostra o crescente suicídio entre idosos no país. Os números são alarmantes?
Cecília Minayo: Os números não são alarmantes, os homicídios são mais. Mas, o que ocorre no Brasil é que como se houvesse um véu sobre os suicídios. Fala-se muito pouco e há dois grupos sociais nos quais o suicídio cresce mais, que são os jovens e os velhos, sobretudo os mais velhos, que têm condições social ruim, aos quais faltam apoio das políticas públicas e que se sentem isolados e abandonados.
Tem uma faixa etária mais atingida com essa realidade?
Cecília Minayo: São entre os mais velhos, a partir de 75 anos de idade.
E o que tem levado esses idosos a cometerem suicídio? Quais são as causas?
Cecília Minayo: As causas são várias. No suicídio, nunca é um problema de uma causa só. Tem causas sociais, que são a fragilidade, a pobreza, as dificuldades de se manter, a solidão e o isolamento, quando a pessoa é negligenciada pela família e Estado. Isso muito está articulado também com doenças degenerativas. Quase sempre doenças físicas e mentais, cardiovasculares, diabete, pressão alta, distúrbios psicológicos e onde essas pessoas não encontram ambiente social em que ela possa levar bem o final da sua vida e aí ela decide que é melhor sair desse mundo. Sua vida não tem sentido.
E entre os jovens, qual é essa realidade?
Cecília Minayo: As causas são muitas. É um momento de mudança psicológica, de enfrentamento da vida e que causa muito medo. Momento de definição sexual. Por exemplo, tem muita tentativa de suicídio entre jovens LGBT. É um momento também que, sobretudo as paixões, o primeiro amor vamos dizer assim, funciona de forma muito forte e que qualquer decepção, esses jovens ainda não estão preparados para isso. Mas tem outra causa também, que é a falta de perspectiva, assim como os idosos acham que sua vida perdeu o sentido, muitos jovens sem condições sociais acham também que não vão conseguir nada na vida.
Por ter esse ‘véu’ em torno do assunto, sendo tratado apenas na intimidade dos lares, mas com números crescentes, podemos dizer que o governo está omisso a isso? Virou uma questão de saúde pública?
Cecília Minayo: O Ministério da Saúde já detém uma política para a questão do suicídio, mas ela é pouquíssima lida, ouvida e muito menos aplicada, e não é divulgada. Então, na verdade, são temas que temos que trazer à tona para que alguma coisa seja feita. No caso dos idosos, por exemplo, há pouquíssimas as políticas públicas que dão atenção a esse idoso dependente, que está sofrendo, que está isolado, que está negligenciado. Então, são questões que nós estamos trazendo à tona para serem tratadas.
Fonte(s): AFN/Fiocruz