A divulgação do diário de Sara Green, uma jovem britânica que se suicidou aos 17 anos, em 2014, dentro da clínica onde fazia tratamento, levanta um debate sobre as falhas dos serviços de saúde mental voltados para crianças e adolescentes.
O diário dela, revelado pela família à BBC, foi divulgado “para chamar a atenção à angústia que alguns pacientes jovens sofrem ao serem tratados em clínicas para adultos.”
Em uma das confidências, Sara escreve sobre a falta da família e a dor de estar longe de casa.
“Quero ir para casa. Fico esperando o momento em que mamãe e Stacey (sua irmã) possam me visitar porque não poder vê-las tem me feito sentir muito pior”.
Segundo reportagem da BBC, Sara havia sido internada na unidade para adultos em uma clínica privada a 160 quilômetros de sua casa. A ideia era que a adolescente ficasse ali por pouco tempo, mas a internação se estendeu por nove meses.
Em março de 2014, Sara foi encontrada no chão do seu quarto na clínica, com um arame de caderno espiral no colo. As equipes da instituição e de emergência tentaram, mas não conseguiram reanimá-la.
O médico forense concluiu que Sara não tinha intenção de morrer. Segundo a BBC, o inquérito final sobre as circunstâncias e causas da morte criticou a clínica duramente. Segundo o médico, Sara não havia se suicidado. Era uma automutilação provocada pelo agravamento de suas ansiedades por causa do longo período que passou em uma clínica para adultos, longe de casa.
A reportagem afirma que a clínica se comprometeu a mudar os procedimentos depois do que ocorreu com Sara.
Histórico de um sofrimento insuportável
Os problemas de Sara começaram quando ela tinha 11 anos. Antes de ser internada, ela tinha sido vítima de bullying no colégio e se autoflagelava em uma tentativa de aliviar o sofrimento. No diário, ela escreveu:
“Não me aceitavam na escola. Há um limite para o número de insultos que uma pessoa pode suportar. Me odeiam pelo que sou, mas tenho certeza que eu odeio a mim mesma. Não entendo como deixei que me afetassem assim”.
A garota também desenvolveu transtorno obsessivo compulsivo (TOC), e mesmo assim foi bem-sucedida na escola.
As internações começaram em 2011, três anos antes da morte de Sara. Ao descobrir que ela tinha tido uma overdose de antidepressivos, a família a levou, voluntariamente, para uma unidade de terapia para jovens.
Ela recebeu alta, mas expressou, em seu diário, mais angústias quanto à sua saúde mental:
“Quero dizer a verdade sobre como as coisas pioraram. Não estou bem. Estou destruída por dentro”, escreveu.
Segundo a ONG Inquest, Sara continuou se automutilando e, em 2013, teve outra overdose. Foi quando a adolescente foi internada na clínica a 160 km de sua casa. O sistema de saúde mental tentou, mas não conseguiu encontrar uma instituição mais próxima para a garota.
Sara passou a pensar ainda mais em suicídio, como revela o diário. Em um mês, ela tentou se enforcar oito vezes.
“O que acontece agora é que penso muito mais em suicídio do que quando cheguei a este lugar. Neste momento esses pensamentos são cada vez piores.”
Saúde mental negligenciada
A triste situação vivida pela garota e sua família mostra a necessidade de se criar tratamentos específicos para os jovens, que possuem uma maior vulnerabilidade do que os adultos.
De acordo com a ONG Inquest, uma organização de ajuda jurídica que está apoiando a família Green, desde 2010 nove jovens ingleses morreram durante internações em clínicas de tratamento psiquiátrico.
O acesso a tratamentos de saúde mental para crianças e adolescentes tem se mostrado cada vez mais problemático no Reino Unido.
Quase um quarto (25%) das crianças e adolescentes britânicos encaminhados para tratamento de saúde mental está sendo recusado, revelou um estudo recente da instituição de pesquisa CentreForum.
Em vez de uma intervenção já no começo dos problemas, muitos pacientes estão sendo recusados com a resposta de que sua condição não é grave o suficiente.
Um outro relatório, da Associação de Líderes de Escolas e Faculdades (ASCL, na sigla em inglês) e do National Children’s Bureau, ambas entidades britânicas, detectou que um número cada vez maior de jovens sofre com problemas de saúde mental como estresse e ansiedade, mas muitas ainda têm dificuldade de obter auxílio para lidar com problemas de saúde mental.
Um levantamento realizado com 338 líderes escolares, muitos deles trabalhando em escolas secundárias, indicou que mais da metade deles (55%) observou aumento significativo de estudantes sofrendo de ansiedade e estresse nos últimos cinco anos, enquanto mais de 40% disseram ter notado um grande aumento no cyberbullying.
Além disso, quase oito de cada dez entrevistados (79%) disseram ter visto um aumento de comportamentos de autoagressão ou pensamentos suicidas entre os alunos.
Quase dois terços (65%) disseram ter enfrentado desafios para obter ajuda de serviços especializados para jovens que precisam de atendimento especializado, enquanto 53% daqueles que procuraram os Serviços de Saúde Mental para Crianças e Adolescentes (CAHMS, na sigla em inglês) avaliaram o serviço como ruim ou muito ruim.
O relatório conclui que há serviços de aconselhamento “muito bons e eficientes em várias escolas, mas as preocupações acerca do CAHMS refletem a necessidade de um apoio especializado de melhor qualidade além dos portões da escola”.
Nos Estados Unidos a situação não é muito diferente: muitos adolescentes diagnosticados com depressão não recebem tratamento imediato, mesmo quando existe a recomendação de terapia ou uma medicação é prescrita, revelou uma pesquisa da Universidade de Nova York.
Mais de um terço dos 4.600 jovens pesquisados e diagnosticado com depressão ficaram sem qualquer tipo de tratamento. Mais de dois terços não conseguiram acompanhamento dos sintomas por um especialista.
O estudo também descobriu que menos da metade dos adolescentes que tomavam antidepressivos receberam qualquer cuidado nos três meses seguintes à prescrição do medicamento.
Segundo o autor do estudo, Briannon O’Connor, a falta de tratamento e de suporte piora os problemas dos jovens. “Sem tratamento, os adolescentes tendem a desenvolver uma piora dos sintomas de depressão e de outras doenças mentais, com aumento das dificuldades na escola, afastamento de família e amigos, e continuam a ter percalços na vida adulta.