O dia oito de fevereiro de 2016 começou de forma trágica em Patos de Minas, Minas Gerais. Os jornais locais traziam a notícia de que mais um jovem, de apenas 22 anos, havia cometido suicídio. Era a sétima morte por autoextermínio em pouco mais de um mês. A segunda em apenas uma semana. Em poucas horas o assunto se tornou tema de debate nas redes sociais. O que pode levar alguém a desistir da própria vida? Como evitar que isso aconteça? Quem são os culpados?
Como Explicar o Suicídio?
É muito difícil chegar a uma resposta satisfatória para qualquer uma destas perguntas, mas é fácil saber de onde partir. As Ciências do Comportamento têm nos dado informações importantes sobre as razões pelas quais as pessoas agem da forma como agem. Atualmente sabemos, por exemplo, que o comportamento humano, seja ele saudável ou não, recebe influência de fatores de ordem genética, pessoal e cultural. E isso vale também para o comportamento suicida, sobre o qual buscarei falar neste texto. Tentarei analisar as principais propostas explicativas apresentadas pela literatura especializada na área, e ao final, deixar dicas sobre como prevenir e lidar com um familiar ou amigo com comportamento suicida. Vamos começar, então, falando dos fatores de ordem genética.
Atualmente não há consenso sobre a existência ou não de um gene específico que predisponha ao suicídio, mas as pesquisas na área têm encontrado fortes evidências de que há associação entre o suicídio e os genes ligados ao comportamento impulsivo e impulsivo-agressivo¹. A hipótese é bastante pertinente, já que o ato suicida frequentemente ocorre como uma resposta impulsiva a uma situação insuportável, e além disso, o comportamento impulsivo é descrito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um dos principais fatores de risco para o autoextermínio. Outros estudos têm encontrado relação positiva entre alterações nos genes ligados à capacidade do cérebro de se regenerar após a experiência de traumas e a ocorrência de comportamentos suicidas², o que também é bastante coerente com a literatura da área – a maioria das pessoas que chegam a se matar passaram ou estão passando por situações extremamente traumáticas, insuportáveis, e apresentam dificuldades para lidar com seus impactos³.
Os fatores de ordem pessoal certamente são os mais investigados e os mais bem descritos na atualidade. Eles correspondem às experiências individuais de cada pessoa que contribuem não apenas para a manifestação ou supressão das propensões genéticas, mas também para o desenvolvimento das atitudes específicas que predispõe ao suicídio. A maioria das campanhas de prevenção foca na promoção de mudanças nestes fatores, já que é mais fácil para familiares, profissionais da saúde e órgãos governamentais influenciá-los. Mas quais são eles?
Certamente podem variar muito de pessoa para pessoa, mas as pesquisas com pacientes suicidas demonstram que a maioria deles está passando, ou passou em algum momento da vida, por experiências como desemprego, relações familiares ou de amizade muito conflituosas ou pouco calorosas, traumas (abuso sexual ou físico, sequestro, estupro, etc), perdas pessoais (grandes perdas financeiras, perda de entes queridos, rompimento de relacionamentos, etc), dores ou doenças físicas crônicas (câncer, HIV, problemas cardíacos, etc) e exposição a suicídio de outras pessoas (familiares, amigos ou a notícias sobre suicídio)⁴. A lista ainda pode crescer se pesquisarmos mais, mas o que estas e outras possíveis experiências comuns a pacientes suicidas tem de semelhante é o que as ciências do comportamento tem chamado de “incontrolabilidade”.
O conceito de incontrolabilidade é usado para descrever situações problemáticas em que, por mais que a pessoa tente encontrar saídas, soluções ou alternativas, ela falha, fracassa. Todos nós passamos por momentos de falha ao longo da vida – uma vez ou outra -, mas a pessoa suicida experimenta situações de fracasso de forma repetitiva, intensa e inevitável. Alguns, quando desistem de procurar emprego, conseguem se virar bem com o apoio de familiares, fazendo “bicos” ou se utilizando de outros recursos. Outros simplesmente não tem apoio de familiares ou não tem sucesso nos “bicos”, ou ainda, por razões culturais, acredita que a ajuda de um familiar é um fracasso maior do que estar sem trabalho. Nesse caso, não há para onde correr. A medida que as contas chegam, que os impactos do desemprego vão se acumulando e que nenhuma saída parece possível, a pressão aumenta (muito!) e a vida se vai se tornando insuportável. Como nos diz um importante pesquisador americano, Murray Sidman, ao passar por muitas experiências de insucesso a pessoa passa a considerar a si própria um fracasso, um ser indigno de continuar vivendo. É um processo comportamental inevitável. E com o final trágico.
Naturalmente o efeito de experiências como as descritas acima é cumulativo. Quanto maior I) o tempo de exposição a cada experiência, II) a quantidade de experiências às quais a exposição ocorre e III) a intensidade desta exposição, maiores os riscos de suicídio. Não se trata, portanto, de ter problemas, mas de: 1) não ser possível resolvê-los, e 2) estes problemas serem contínuos, cumulativos e intensos. Cada um tem um limite pessoal que varia em função não apenas das variáveis já citadas (genética, tempo, quantidade e intensidade da exposição), mas também da exposição ao que a literatura especializada chama de “fatores de proteção”.
Os fatores de proteção correspondem, basicamente, a experiências que produzem sentimentos de bem estar, pertencimento e segurança, como o apoio incondicional da família, amigos ou de outros relacionamentos, envolvimento em atividades em grupo ou comunitárias, envolvimento com atividades de esporte e lazer, trabalho, boa saúde física ou acesso a recursos de autocuidado. De forma semelhante às experiências que facilitam o desenvolvimento do suicídio, esta lista também não acaba. É possível expandir de forma infinita a quantidade exemplos, dependendo do contexto de vida e das possibilidades de cada um. Em terapia, costumo perguntar a meus clientes o seguinte: o que te faz bem? O que podemos fazer para que você tenha acesso a estas coisas que te fazem bem?
Não há como dizer, a princípio, qual dos tipos de fonte de influência é mais relevante que a outra – a genética, a pessoal ou a cultural. Nenhuma delas é mais importante a priori, mas cada uma adquire pesos diferentes para pessoas diferentes, e em muitos casos, uma pode contrabalancear a outra. Por exemplo, uma pessoa exposta às experiências de ordem pessoal que favoreçam o comportamento suicida, mas que aprendeu a acreditar que o suicídio é errado (algumas religiões têm este efeito), pode não se suicidar. Por outro lado, uma pessoa fortemente inserida em uma cultura que incentiva o suicídio, mas que experimentou vivências que desestimulam o autoextermínio – como os fatores de proteção –, também pode não se suicidar. É difícil, portanto, prever ao certo quem vai e quem não vai se matar sem que seja feita uma análise cuidadosa de cada caso, mas conhecer as possíveis causas do suicídio pode ajudar a preveni-lo e a identificar quem está em risco. Ajuda também a não tratar a questão de forma simplista, como, infelizmente, muita gente tem feito.