Vivemos tempos difíceis, aliás, fico pensando quando é que não os foram. Em todos os tempos em algum lugar há um lamento, uma dor… Por vezes, fome, guerra, doença, desavenças, violência… por outras, escravidão, corrupção, ganância, exploração…
Ao mesmo tempo, sempre, em algum lugar, há uma esperança, um abraço, um consolo, uma flor, um sorriso…
A vida inteira é entremeada por dores, amores, sonhos, decepções, força, coragem, cansaço, desilusão, reconstrução. As ocorrências e o modo de encará-las dependem de nossa maturidade, vivências, percepção de mundo, nosso contexto, ideias, ideais e pessoas que convivem conosco.
Neste intervalo de possibilidades existentes entre o nosso nascer e morrer, as mortes prematuras, especialmente as autoprovocadas, nos desconsertam, nos desconfortam e geram muitas reações, algumas positivamente produtivas, como a valorização da vida e a promoção de cuidados; outras destruidoramente negativas, como a busca de culpados, acusações de omissões ou de responsabilidades, atitudes estas que geram mais violência e sofrimentos.
Diante de mortes trágicas, abruptas e/ou autoprovocadas, como nos suicídios, além de muita tristeza e comoção, é comum a busca por respostas, por motivos, bem como questionamentos: Poderia ter sido evitado? O que falhou? Quem falhou? Possíveis julgamentos, acusações e responsabilizações de nada adiantam para mudar o que aconteceu, nem para evitar que outros se realizem e ainda trazem mais dificuldades àqueles que perderam o familiar/amigo a lidar com o ocorrido, dificultando os processos de luto.
O suicídio é de causalidade complexa. Envolve fatores socioculturais, psicodinâmicos, filosófico-existenciais e ambientais, presentes e passados, conhecidos e desconhecidos. Muitas vezes, existem sinais anteriores ao ato que podem ser perceptíveis possibilitando cuidados; outras vezes, estes são tão sutis que podem não ser percebidos. Em algumas situações, mesmo com todo esforço e dedicação, em um lapso de segundo, o fatídico ocorre.
Mundialmente, o suicídio está sendo compreendido e cuidado como um grave problema de Saúde Pública, afeta a vida de muitas pessoas, e medidas de posvenção e de prevenção devem ser tomadas.
A posvenção abrange cuidados com as pessoas próximas a quem faleceu, sejam familiares, amigos ou outros que de alguma maneira se impactaram.
Na ocorrência de uma morte, faz-se necessário cuidar das pessoas que ficam. Acolher, escutar, suportar… Suportar de, literalmente, “dar suporte”, resistir, amparar, ter tempo e paciência para acolher a dor. Muitas vezes, simples gestos como levar um alimento, oferecer água, ficar junto para dormir, ajudar a reorganizar o cotidiano fazem toda a diferença. Ou, então, ouvir histórias, questionamentos, conversar sem julgamentos, acalentar um choro, um grito ou amparar um silêncio. Suportar junto é difícil, mas necessário. E cada um terá seu tempo para acomodar a dor, o que não significa esquecer quem partiu, mas, sim, encontrar uma nova acomodação para continuar a viver.
A prevenção abrange medidas a serem tomadas promovendo saúde e objetivando evitar novas mortes. São muitas as medidas, algumas bastante direcionadas a questão do risco de suicídio, outras de caráter mais geral para promoção da vida e desenvolvimentos saudáveis; algumas com efeito a curto prazo, outras a médio e longo, tais como: realização de estudos epidemiológicos para identificação de pessoas com maior probabilidade de risco, oferecimento de serviços de saúde, assistência social e outras áreas para pessoas que já tentaram suicídios ou em maior condição de vulnerabilidade, promoção de saúde com a população em geral, através de ações nas áreas de Saúde, Educação, Lazer, Cultura e mesmo cuidados com aspectos macrossociais complexos como nos aspectos de Segurança, Economia e Política. Existem também os serviços não governamentais de apoio emocional, como os prestados pelo CVV – Centro de Valorização da Vida via ligação telefônica, chat, Skype, e-mail ou pessoalmente, no caso de cidades que tenham postos.
O suicídio em si não é uma doença. Não é um problema (só) dos profissionais de Saúde, envolve condições de vida complexas. Na maioria das vezes, pode ser prevenido. Tanto a prevenção quanto a posvenção devem contar com a ação de pessoas próximas no cotidiano, tanto da família e amigos, como de profissionais e órgãos das redes pública e privada.
Na ocorrência ou na iminência de uma tentativa de suicídio, pessoas próximas podem acompanhar, quando possível, a pessoa em risco ao Pronto-Socorro ou solicitar auxílio do Corpo de Bombeiros pelo número telefônico 193. Os bombeiros são profissionais sensibilizados e treinados para intervenções em crise.
Na percepção de indicativos de risco para tentativas de suicídio, podem ser buscadas orientação e intervenção na rede de serviços privada ou junto aos serviços da Secretaria Municipal de Saúde: Centro de Saúde (Setor de Psicologia, Enfermagem e Médicos), nas Estratégias de Saúde da Família, no CAPS-Centro de Atenção Psicossocial, assim como, em período letivo, no Núcleo de Psicologia da UNIFAI-Centro Universitário de Adamantina. Também os órgãos municipais da Assistência Social, como CRAS-Centro de Referência em Assistência Social e CREAS-Centro de Referência Especializado em Assistência Social, o Conselho Tutelar e a psicóloga da Secretaria de Educação poderão orientar e fazer os encaminhamentos necessários. Todos, cada um dentro de suas especificidades, atuam em rede – Rede Promover Vida – focando a promoção da vida e a prevenção de violências.
Estes mesmos órgãos podem ser acionados pelas próprias pessoas quando avaliam que a vida está por um fio, quando estão muito infelizes e/ou em crise e avaliam que nada poderá ser modificado, que a vida não vale a pena, que estão perdendo o controle sobre si mesmo. Amigos e familiares também podem ajudar: escutando com atenção, procurando conjuntamente soluções para dificuldades, encaminhando e/ou acompanhando para os serviços profissionais, quando necessário, sem julgamento, com respeito e afetividade.
O apoio do CVV – Centro de Valorização da Vida pode ser melhor conhecido e acionado pelo endereço virtual: www.cvv.org.br.
No cotidiano, podemos promover a vida o tempo todo das formas mais simples e, ao mesmo tempo, tão difíceis nos tempos atuais. Em casa, na escola, no trabalho, na rua ou em qualquer lugar, podemos conversar, acolher, brincar, sorrir, ouvir, abraçar, falar, trocar, ser tolerante, ser paciente, cuidar e, também, ser cuidado. Independente de times, partidos, credos ou qualquer outra diferenciação existente, somos humanos e o que mais nos move para a vida é a relação com outros seres humanos. Sentir-se amado, cuidado, respeitado nos diversos ambientes e setores de nossas vidas promove mais vida.
Se quisermos, em tempos difíceis, vivermos melhor, devemos todos promover Saúde, promover Vida, sendo todos agentes de uma Cultura de Paz.
(1) Ana Vitória Salimon C. dos Santos
Psicóloga – CRP06/32.355-3
Responsável Técnica pelo Núcleo de Psicologia da UNIFAI
Membro da Rede Promover Vida