Faço parte do nada seleto grupo de homens que pouco ou nada falam a respeito de temas muito pessoais, como medos, inseguranças e frustrações. Não se trata de um modelo básico de fábrica, mas aprendemos (e ensinamos nossos filhos – espero que não) a funcionar assim. Depende da consciência (e esforço) de cada um mudar para melhor.
Das poucas vezes que fui abordado sobre o fato de ser assim, resumi que “não tenho paciência”. Soa arrogante, eu sei, mas é verdade: não tenho paciência para frases clichês que parecem fazer parte de algum script de autoajuda (pior se envolver teorias quânticas), não tenho paciência para a “competição” (a pessoa aproveita o gancho para falar dos problemas dela), não tenho paciência para quem me diz o que “tenho que” fazer baseado em seus valores, independente dos meus…e a lista segue.
Já me arrependi algumas vezes por tentar, mas isso não significa que eu tenha desistido – e só porque é claro para mim que o silêncio muitas vezes nos conduz para um lugar (ainda mais) sombrio e solitário.
Se de um lado tem um monte de gente com dificuldade para se abrir, do outro encontramos um batalhão que não ajuda porque não é capaz de interagir com a empatia. É difícil? Não deveria ser, mas egos, juízos e modelos mentais fixos atrapalham bastante.
Pausa.
O mês de setembro é dedicado à prevenção do suicídio, em alguns lugares batizado como “Setembro Amarelo” para criar uma unidade com o “Outubro Rosa” (prevenção do câncer de mama) e o “Novembro Azul” (prevenção do câncer de próstata).
Um dos pilares do Movember é a saúde mental, e este tema em especial é o foco da campanha de 2016. Men, we need to talk (“Homens, nós precisamos conversar”) é a chamada para a mobilização, que traz como complemento a frase “Notas de suicídio falam tarde demais”.
No Reino Unido, apenas para pegar outro exemplo dentre muitas iniciativas em diferentes países, Luke Ambler criou o Andy’s Man Club em homenagem ao seu cunhado, Andy Roberts, de 23 anos, que cometeu suicídio no início do ano.
A família mesmo diz não ter percebido qualquer sinal de que Andy pretendia se matar. Muitas pessoas (anônimos e celebridades) têm publicado fotos fazendo o sinal de “ok” com a mão (no Brasil, o gesto tem outro significado) acompanhada da hashtag #itsokaytotalk para conscientizar a população da gravidade do problema e criar espaços seguros de trocas.
Sim, os números são preocupantes em todo o mundo, crescem entre jovens e pioram nos períodos de crise econômica. Há pouco tempo os jornais noticiaram sobre um homem que matou toda a família e se jogou do apartamento, no Rio de Janeiro, enquanto outro saltou do 17º andar do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em São Paulo, com o filho de quatro anos no colo.
Os dois casos ganharam repercussão na mídia no mesmo dia, mas, globalmente, sabe-se que a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio, e a cada 3 segundos uma pessoa atenta contra a própria vida – dados da OMS/2014. Na faixa etária entre 15 e 29 anos, apenas acidentes de trânsito matam mais.
O Brasil é o oitavo país em número absoluto de suicídios. Em 2012 foram registradas 11.821 mortes, cerca de 30 por dia, sendo 9.198 homens e 2.623 mulheres. Faça as contas: 3,5 vezes mais homens.
A taxa de suicídio entre as mulheres é menor (é grande em tentativas, mas baixa em execução) porque elas tendem a ter redes sociais de proteção fortes. Guarde esta expressão: “redes sociais de proteção”. Em outras palavras, elas compartilham mais os seus sentimentos e se apoiam, umas às outras.
O PdH tem alguns artigos que ampliam a discussão, como “Masculinidade tóxica: comportamentos que matam os homens” e “Os homens estão morrendo porque não conseguem falar”. O documentário “Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero”, realização conjunta do Papo de Homem com a ONU mulheres, também aborda o assunto. Recomendo todos os links, mesmo que você já tenha acessado antes. Compartilhe nas redes socais para que alcancem um número maior de pessoas. Esta é sempre uma forma de ajudar.
Existe um farto material disponível para convencer que você não precisa lidar com tudo sozinho, não “precisa ser forte” (da forma distorcida como isso é propagado) e muito menos se preocupar com o que (você acha que) vão pensar de você. Procure o apoio de familiares, de amigos ou de profissionais. O CVV – Centro de Valorização da Vida pode ser muito útil, acredite. Informações no site ou ligando 141. O serviço é gratuito e 24h por dia.
Dito isso, quero abordar a questão de outro lado, como escrevi antes, a respeito de estarmos verdadeiramente aptos a escutar e ajudar de forma significativa, até mesmo tomando a iniciativa em uma situação de risco. Mas o que fazer?
Seguem 10 tópicos que não fecham a questão, mas podem fazer toda a diferença quando existe o risco de suicídio ou, antes disso, quando é possível perceber os primeiros sintomas de uma depressão masculina, como insônia, stress, perda de energia, falta de interesse por temas ou atividades que antes eram importantes, impaciência e agressividade.
1. Regra de ouro: não ignore
Há várias formas disso acontecer: primeiro, você percebe a possibilidade de alguém estar mal e resolve que “não é problema seu”. Segundo, não levando a pessoa a sério quando ela o procura, seja da forma que for: fazendo piada, dizendo que é uma bobagem (frescura ou derivados) ou que a pessoa “tem que sair dessa” como se fosse fácil. Não, não é assim que funciona.
Por favor, em momento algum tenha para si o discurso que cada um pode fazer o que quiser da sua vida, inclusive suicidar-se. Esta é uma desculpa para não se envolver ou uma percepção muito rasa da natureza do suicida. Via de regra, a pessoa que chega a este estágio não está raciocinando com clareza – em 90% dos casos, fruto de uma condição depressiva – então não se pode dizer que isso seja livre arbítrio. Entenda: ela não quer acabar com a vida, mas com a dor.
2. Você pode ajudar
Talvez você pense que questões emocionais complexas não sejam da sua alçada porque lhe falta formação técnica para lidar com isso. Se a possibilidade te assusta ou se você tem consciência que não está bem, buscar a ajuda de amigos é uma alternativa. Um especialista será necessário em algum momento e devemos conduzir a pessoa em risco para este profissional, mas saiba que o pré-requisito fundamental é ser alguém que se importa e demonstra esta preocupação com uma atitude acolhedora.
3. Melhor pecar pelo excesso do que pela falta
Na maioria das vezes, os sinais existem. Infelizmente, alguns só farão sentido depois da tragédia consumada. Se algo te deixou com a pulga atrás da orelha, não ignore ou coloque de imediato no escaninho mental do “já passa”. Melhor checar risco e constatar que não é nada do que ter o remorso de não tomar uma atitude no tempo certo.
4. A regra dos 4Ds
A pessoa que alimenta ideias suicidas está sob forte influência de um ou mais dos 4D’s: Depressão, Desesperança, Desamparo e Desespero. O CVV orienta que apenas um destes D’s, associado ao que chamam de “frases de alerta”, já pede uma investigação cuidadosa. E o que são essas frases de alerta? Qualquer afirmação de que era melhor estar morto, que não aguenta mais, que não há razão para viver ou que se sente como um fardo para outras pessoas.
5. Tenha um olhar atento de equidade
As questões de afinidade contam: é mais fácil prestar atenção em quem gera uma conexão de afeto (familiares, amigos e amores) do que em pessoas que incomodam ou parecem não existir, mesmo trabalhando na mesa ao lado. Dentro do possível, observe melhor os indivíduos que fazem parte do seu mundo sem estar contaminado por apegos, aversões ou indiferenças.
6. Seja direto
“Opa, bom dia/tarde/noite. Tudo bem (com você)?” é como cumprimento quase todo mundo que conheço e passa pelo meu caminho pela primeira vez no dia. Eu não espero, sinceramente, que alguém me responda “Não, não está. Senta aqui que eu quero falar a respeito”. É por isso que respondemos “tudo bem”, ainda que seja uma grande mentira, quando o outro nos aborda primeiro. É um protocolo social.
Se você quer se aproximar de alguém de verdade, experimente algo mais assertivo, como “Estou achando você meio estressado nos últimos dias. O que está acontecendo?”. Escolha o local e o momento em que puderem conversar com privacidade e livres de interrupções. Se for melhor, convide para uma caminhada fora do ambiente em que vocês se encontram ou marque um papo para mais tarde em um lugar tranquilo.
No caso de um amigo próximo, chamar para algo que vocês gostam de fazer juntos é uma boa opção. Evite o formal “precisamos conversar”. Nunca se espera algo de bom depois desta frase.
6. Saiba ouvir e esteja presente por inteiro
Falar é uma forma de diminuir a pressão interna. Permita que seu amigo fale livremente e, em especial, que ele se escute. Colocar os sentimentos em palavras ajuda a organizar os pensamentos.
Assuma uma atitude generosa e de plena atenção como se só existissem vocês dois no mundo. Não deixe o celular à vista, não atenda ligações, não consulte ou responda mensagens. Se no ambiente existe uma televisão e você puder desligar, faça. Se a TV estiver ligada em um espaço público, posicione-se de modo a não se distrair com o que estiver sendo transmitido.
Tenha empatia. Seja paciente. Demonstre, sobretudo, respeito – respeito pelo indivíduo, pela sua dor e pelos seus valores, ainda que distantes ou incompatíveis com os seus. Procure olhar nos olhos. É importante que o discurso não seja interrompido.
Não tome um hiato de reflexão como deixa para você emitir uma opinião e cortar o fluxo. Faça perguntas apenas se julgar que for realmente necessário (perguntas que ajudem você a entender o que se passa) e reforce que você está ali para o que ele tiver que falar, sem censuras.
Varia de indivíduo para indivíduo, mas, em alguns casos, o toque pode ser importante. Homens, muitas vezes, não lidam bem com isso (talvez você não lide bem com isso, se também for homem), mas é uma questão de linguagem corporal tocar o ombro ou segurar a mão por um momento como reforço na transmissão de apoio e segurança – e não para grudar como se fosse uma entrevista no Jô Soares. Considere a possibilidade, mas com cuidado.
7. Não se obrigue a ter respostas
Uma vez que tenha provocado a conversa ou tenha sido eleito para ela, talvez você se sinta no dever de ter uma resposta inteligente ou frase de efeito na manga. Não caia nesta armadilha.
Primeiro, porque se você está ocupado elaborando o que dizer, talvez não esteja prestando atenção no que está sendo dito pela outra pessoa. Depois, porque este não é objetivo deste primeiro contato.
O CVV orienta: quem decide ajudar não deve ter a preocupação com o que vai falar, mas estar preparado para ouvir. Procure manter-se calmo. Não diga que o problema é simples, não brinque com a situação, não julgue e não faça intervenções religiosas de qualquer tipo – até porque é possível que a pessoa em risco esteja descrente de tudo.
Eu tenho aversão a frases vazias do tipo “vai dar tudo certo” quando não há nenhum argumento válido para isso. Melhor expressar sinceridade em algo como “não tenho ideia do que fazer, mas vamos tentar descobrir juntos”.
8. Falar de suicídio não estimula o suicídio
Não tenha medo de perguntar se a pessoa tem pensado seriamente em suicídio e, na sequência, se já elaborou um plano. Faça isso com tato, mas faça. Pode parecer que você está dando ideia, mas não é assim. Por um lado, pode ser um grande alívio para a pessoa tocar no assunto. Por outro, lhe dá a dimensão do que precisa ser feito – a gravidade do problema.
9. Encoraje a procurar ajuda profissional e monitore de perto
É importante que a pessoa em depressão ou em risco de suicídio procure um apoio clínico. Homens podem ser mais resistentes a recorrer a um terapeuta por considerar perda de tempo ou um sinal de fraqueza. Mostre que é algo natural e necessário, que não há motivos para se envergonhar. Já ouvi gente falando que terapia não funciona porque teve uma experiência infeliz. Meu argumento é que terapia é como beijo na boca, às vezes você precisa passar por algumas até encontrar uma que combine.
Pergunte se já existe alguém a quem recorrer (um médico que ele conheça ou com quem já esteja se tratando) ou prontifique-se a conseguir uma boa indicação. Tente você mesmo agendar uma consulta. Se necessário, ofereça-se para acompanhar. É importante que este amigo ou conhecido se sinta amparado, que se forme a tal rede de proteção que citei antes.
Eu comecei a escrever este artigo e me vi envolvido com a internação e falecimento do meu pai dias depois. É interessante observar os que apenas seguem o protocolo de “meus sentimentos”, os quem fazem mil perguntas do que aconteceu apenas para saciar a própria curiosidade, quem pergunta se estou bem e some e quem tem demonstrado real interesse com o meu bem estar me procurando com regularidade e se colocando à disposição.
Uma situação não corresponde exatamente à outra, mas serve de parâmetro. Ninguém tem obrigação de nada e eu, de verdade, estou bem, mas fico pensando em quem passa pela perda de alguém próximo de forma dolorosa e se vê sozinho depois do enterro ou da missa de sétimo dia. Tive uma amiga que após a perda da mãe e do irmão passou a ter um discurso mórbido.
10. Cuide-se
Estar envolvido em uma situação onde o risco de suicídio existe não é fácil – não é fácil para ninguém. Fora a tensão, nem sempre o resultado é aquele que gostaríamos. Tenha em mente que uma reversão do quadro depende muito do próprio indivíduo. Reconheça os seus limites práticos e emocionais. Não tente dar conta de tudo sozinho e tenha alguém também com quem conversar sobre o impacto que este período causa em suas percepções.
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Referências de consulta e links que podem ajudar mais:
– Stopsuicidepledge.org
– Falando abertamente sobre suicídio
– Spsuicidologia
– Headsupguys.org
– Conheça a cartilha para combater o suicídio
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Nota do editor: É importante ter em mente que uma situação na qual há risco de suicídio pede cuidados específicos e ajuda de profissionais capacitados. Nesse sentido, há psicólogos e psiquiatras disponíveis gratuitamente nos Centros de Atenção Psicossocial da rede pública. Há também entidades, como o Centro de Valorização da Vida, que realizam um importante trabalho de prevenção, inclusive em momentos de crise. No caso do CVV, o atendimento, além de gratuito, é sigiloso via telefone, e tem como objetivo fornecer apoio emocional e prevenção do suicídio. Para entrar em contato, ligue 141.