Quando li pela primeira vez A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath, não consegui terminar a leitura em uma tacada só. Me obriguei a intercalar a história de Esther Greenwood com outros livros, diluí-la na minha cabeceira. Mas quem conhece a depressão profunda como a narrada no romance único de Plath sabe que não é só fechar a página e colocá-la para dormir no criado mudo. A depressão é uma doença insone.
A história de uma jovem brilhante do subúrbio que chega em Nova York para estagiar em uma revista feminina e passa do fascínio de ter chego àquele mundo até então inatingível ao total desespero com a realidade é também a história de Sylvia.
Apesar do romance ser considerado “semi-biográfico”, a frustração por não se sentir realizada, a distância que Esther sente das preocupações mundanas, a pressão pela pureza, as dúvidas sobre as próprias escolhas, o sentimento de esvaziamento e a sensação de estar “inexpressiva e parada como um bebê morto” são narradas por Sylvia com a crueza de quem conhece de perto esse abismo. A personagem é internada em uma clínica psiquiátrica e o livro termina com um final bastante aberto. Para Esther, as respostas de como deixar a redoma de vidro estavam no mundo. As respostas de Sylvia, infelizmente, não. No dia 11 de fevereiro de 1963, menos de um mês depois de ter publicado seu romance, a escritora americana cometeu suicídio.
Enquanto lia A Redoma de Vidro, tive dificuldades em dissociar a autora da personagem. A imagem de Sylvia de franjinha esvoaçante perseguiu Esther durante toda a leitura, assim como achei que seriam seus destinos. Na época, conversei com algumas pessoas que também leram o livro e, apesar de alguns terem me advertido a só voltar a ler quando me sentisse em pleno domínio da minha saúde mental, uma amiga em especial me contou que se sentiu acolhida pelo sofrimento da protagonista. Na redoma de vidro de Esther, minha amiga, que já havia passado por um tratamento para depressão, viu que as frustrações que vieram junto com a sua doença não eram uma anomalia, ela não era a primeira pessoa a se sentir assim. O que para mim pareceu uma pedrada à primeira vista, para ela funcionou como um conforto.
Não que Sylvia Plath tenha escrito o romance como um chamado panfletário de união às pessoas que sentem o vazio que ela sentia. Talvez escrever fosse uma das únicas maneiras para preencher-se. Mas o fato é que meu desconforto frente à doença foi insignificante se comparado ao alento que o livro causou a minha amiga.
Fonte: Super Abril