O mineiro Gabriel de Souza Cunha, hoje com 23 anos, sucumbiu, aos 19, a uma depressão que havia seis meses enevoava os seus dias
Mineiro de Itaúna, cidade distante 76 quilômetros de Belo Horizonte, Gabriel de Souza Cunha, hoje com 23 anos, sucumbiu, aos 19, a uma depressão que havia seis meses enevoava os seus dias. “Sofria profundamente, mas não me abri com meus familiares, dificultando o dimensionamento do problema”, conta ele.
No dia 21 de junho de 2014, Cunha subiu ao ponto mais alto do telhado de casa, cortou os pulsos e pulou — mas a vida ganhou a parada, auxiliada por cinco dias de hospital. Recuperado, contou com o apoio da namorada, Daniela, para recolocar a vida nos eixos. Iniciou um tratamento psiquiátrico seguido até hoje, mudou-se para Belo Horizonte, entrou para o curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e arrumou trabalho num escritório de advocacia.
Recentemente, Cunha ganhou um concurso de textos, promovido pelo Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, de São Paulo, com a descrição de seu caso em um artigo na terceira pessoa. Alguns trechos: “Hoje ele pensa que não se pode crer que a depressão seja uma frescura, ou que a ansiedade seja falta do que fazer ou mesmo que o suicídio se dê por falta de religião. Também não acredita que há que se falar em drama ou tentativa de chamar atenção. Na realidade, o que ele entendeu é que esses estados tornam a pessoa desinteressada pela própria vida e a diminuição da autoestima pode levar a consequências devastadoras. (…) Por isso, é de extrema importância exercitar a nossa empatia e se abrir ao diálogo. Falar sobre a depressão, a ansiedade e tantos outros transtornos mentais é dar visibilidade para assuntos que são considerados um tabu. Ajudar a difundir essa discussão é essencial para diminuir o preconceito e encorajar a procura pelo tratamento. (…) Mesmo que seja difícil, é preciso se abrir para alguém de confiança. (…) É fundamental contar com o apoio da ajuda médica especializada. Ele descobriu tudo isso com o tempo, fazendo daquele famigerado erro o seu maior acerto. (…)”
Muitos dos enlutados atormentados pela cobrança de que tinham obrigação de ter percebido os tais sinais e ajudado a evitar a tragédia chegam a se sentir colaboradores, ou até responsáveis, pelas mortes. A sociedade se encarrega de tornar o quadro ainda mais devastador, como explica a psicoterapeuta e suicidologista Karen Scavacini, mestre em Promoção de Saúde Mental e Prevenção ao Suicídio, doutoranda em Psicologia Escolar e sócia fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio. “Apesar do volume de informações que divulgamos para combater esses mitos, preconceitos e erros de avaliação, grande parte da sociedade, incluindo gente informada, ainda assume posturas inaceitáveis nessas situações.”
Ela explica: “Primeiro, fazem da vítima uma vítima em dobro, com comentários do tipo ‘foi fraca’, ‘nunca foi capaz de enfrentar problemas’ ou ‘entregou-se diante de probleminha menor do que a maioria do que vemos por aí’”, diz. “Depois, castigam a família e os próximos com perguntas
cruéis do tipo ‘Como vocês não perceberam nada?’ Alguém consegue se livrar do sentimento de culpa rodeado por bombardeios preconceituosos como esses?”, questiona.
Disposta a contribuir para melhorar esse quadro, Karen dedica boa parte de seu tempo ao instituto e em grupos de apoio para ajudar os “sobreviventes”, como chama os familiares, amigos, pessoas próximas ou que tiveram a vida afetada e modificada por um suicídio. “Posvenção é um conjunto de ações, atividades, intervenções, suportes e assistência para os impactados por um suicídio”, define. “Procuramos trazer alívio para o sofrimento e a perda, aliviar as complicações do luto e diminuir o risco de comportamento suicida também nos enlutados”, detalha.